Marcello Barra

Marcello Barra

O Marco Civil da Internet é uma vitória da organização da sociedade na democratização da comunicação. Com participação social direta em mais de 2,3 mil contribuições, a aprovação da lei mostrou que a sociedade organizada pode fazer prevalecer o interesse comum em detrimento dos interesses paroquiais, o geral em relação ao particular.

A neutralidade da rede é a maior conquista do movimento que pressionou o Congresso Nacional pela lei. O que é a neutralidade e por que é tão importante? A neutralidade é o princípio que permite uma ‘internet livre’, ou melhor dito, o acesso irrestrito aos conteúdos da rede. Assim os provedores não poderão cobrar diferentes tarifas para acesso a conteúdos diversos. É esse princípio que permite a inovação na internet, que faz com que continuamente surjam novidades e serviços úteis, como as redes sociais. A lei coloca o Brasil na vanguarda da internet mundial, como referência para outros países em legislação da rede. Isso foi ainda mais relevante dada a simultaneidade da aprovação do Marco Civil com o Encontro Multissetorial Global sobre o Futuro da Governança da Internet, sediado no Brasil.

O que os estudos da ciência e tecnologia mostram é que nada está separado do seu contexto, o social precisa ser levado em conta. Que contexto é esse? O Marco Civil da Internet se tornou prioridade na agenda governamental após os vazamentos de informação do ex-técnico das agências de inteligência norte-americanas CIA e NSA Edward Joseph Snowden. As informações de Snowden mostraram a espionagem norte-americana sobre a chefa de Estado brasileira, o Ministério das Minas e Energias e a Petrobras.

Essas revelações mereceram destaque na programação da Rede Globo, inclusive três programas Fantástico, como o grande fato político após as Jornadas de Junho. Antes, tais manifestações multitudinárias de 2013 colocaram os Poderes em crise no Brasil – inclusive a mídia como Poder. Diversos canais de TV tiveram veículos incendiados, prédios foram alvos de protestos, apresentadores e comentaristas publicamente mudaram de opinião sobre os protestos, a audiência das redes caiu. A divulgação da afronta à soberania brasileira podia reabilitar a mídia – e ainda mais especificamente a TV Globo, alvo principal das manifestações pelo caráter monopolista – junto à sociedade. A organização pela democratização da internet e das comunicações combinada com a força massiva do povo brasileiro mobilizado em Junho e a crise da mídia, além da coragem do servidor público mundial que é Snowden foram condições para a existência do Marco Civil da Internet.

O avanço representado pela neutralidade não significa, no entanto, que esse princípio seja suficiente para lidar com todo o fenômeno da internet. Mas é a aprovação do marco que dá ânimo novo ao movimento. Asilo humanitário, político, comercial e estratégico a Snowden, hoje com visto provisório na Rússia, universalização do acesso à banda larga com a reestatização das telecomunicações no Brasil, exclusividade para o software livre no Estado brasileiro e privacidade total para os internautas com uma criptografia pública e gratuita são ações que avançam a democratização da rede. Portanto, o Marco é um ponto de chegada, mas que é também um ponto de partida.

E dada a enorme concentração de TV e rádio no Brasil, é o movimentoda internet que pode inspirar e liderar a democratização das comunicações, vital para superar a crise do regime e a refundação da República.