Reinaldo Azeredo é personagem semelhante a vários que tiveram seus quinze minutos de fama entre o final de 1963 e os primeiros meses de 1964.
Tenta ser uma síntese de Gustavo Corção, o arquirreacionário jornalista católico e anticomunista, com o almirante Penna Boto, golpista de primeira hora. Como glacê, exibe tinturas e cacoetes típicos de um Sergio Mallandro.
Azeredo, com argumentos de fancaria, é polemista raso, metido a sofisticado. Age sempre da mesma maneira. Primeiro, espanca seu oponente, buscando desqualificá-lo a mais não poder.
Os ataques podem vir por uma crase mal colocada – Reinaldo seria um grande revisor de texto – ou um modo de falar ou vestir.
Com seu ócio regiamente pago pelo panfleto dos Civita, a insuperável Veja, Reinaldo se acha. De sua tribuna virtual, atua como farol de roleta. Sai batendo a torto e a esquerda, como uma espécie de jagunço do beletrismo conservador.
Depois de esfolar verbalmente sua vítima, sempre parte para seu rosário de preconceitos em escala ampliada.
GOLPE BAIXO – Num post de hoje, busca intimidar a genial cartunista Laerte, de quem sou amigo há quase 40 anos. Não tenho nenhuma procuração para defendê-la.
Mas não é possível ficar indiferente à gosma homofóbica exarada por Azeredo.
Os golpes iniciais vêm com a sutileza da pancada de uma lâmpada fluorescente na testa. Ao atacar a cartunista, Azeredo faz coro com os homofóbicos do Congresso e dos altares fundamentalistas. Busca ridicularizar, ofender e intimidar.
Mas não é esse seu alvo.
A CHARGE – Seu alvo é a estupenda charge em que Laerte desmonta parte do ideário dos novos marchadores pela família, por Deus e pela liberdade, que exibiram sua sofreguidão mental na avenida Paulista, no domingo (16). A imagem foi publicada semana passada pela Folha de S. Paulo e ganhou imensa repercussão.
O desenho faz o que Millôr Fernandes uma vez disse ser a função do humor, unir o que está desconectado na confusão da vida cotidiana.
Laerte liga a chacina brutal da periferia de São Paulo – solenemente ignorada pelos manifestantes do dia 16 – com a exaltação da brutalidade nas relações sociais, materializada nos selfies de garotões e garotonas com as tropas da PM.
(São fortes os indícios de que membros da banda podre da polícia são os responsáveis pela barbárie).
A charge é irrespondível! Atacou a jugular da hipocrisia dos marchadores.
Pois aí é que Reinaldo Azeredo faz seu selfie jornalístico com a fina flor da direita brasileira.
CORAGEM – Se há uma característica a se exaltar em Laerte é sua coragem.
Coragem exibida em seus trabalhos de humor gráfico desde o início dos anos 1970, em sua militância em favor dos trabalhadores e trabalhadoras desde sempre, de sua busca incessante pelo inesperado na linguagem, no discurso e na piada, de sua ousadia como ser humano, ao desafiar padrões de comportamento aos 60 anos de idade, fase em que a maioria tende à acomodação. Laerte é o oposto. É a fusão de inquietação eterna e generosidade ímpar.
Uma vez na Itália, Giancarlo Berardi, genial criador de Ken Parker, uma das grandes séries em quadrinhos do século XX, me disse que Laerte deveria ir para a Europa e buscar um mercado a altura de seu talento. “Precisaria modificar um pouquinho a linguagem para ser entendido aqui”, falou ele.
Laerte representa um dos grandes talentos mundiais dos quadrinhos de todos os tempos. Criou tipos e crônicas seqüenciais memoráveis. É profundamente brasileiro e, mais do que isso, paulistano.
Duvido que topasse “mudar alguma coisinha” para deixar de falar de seu universo.
PERSONAGENS – Nesse ambiente ficcional que criou, cabem os Piratas do Tietê, Fagundes, o puxa-saco, o Lobisomem, Fernando Pessoa, os Palhaços Mudos, um condomínio surreal, os gatos, fadas, burocratas, gente estúpida, babacas e seres geniais de uma São Paulo muito particular.
Mas não cabe um tipo que exala maucaratismo e preconceito a cada linha como o tal do Reinaldo Azeredo.
Esse subsiste no esgoto em que se transformou parte da grande imprensa brasileira.
Azeredo fala grosso com o microfone dos Civita. Quando perder o emprego, voltará a piar miudinho e a se fazer de simpático, em busca do ganha-pão. Um tipo desprezível.
Não é o caso de Laerte.
A ela, minha homenagem.