Depois das eleições de domingo passado, envoltas em fraudes eleitorais e violações dos direitos humanos, Tayyip Erdoğan tem o caminho aberto para revisão constitucional que o deixará com ainda mais poder. Desde as eleições, políticos curdos já foram presos, três jovens foram assassinados pela polícia e mais de 40 pessoas foram presas por alegada ligação a um rival do presidente.
Nas eleições do passado fim de semana na Turquia, o partido do presidente Tayyip Erdoğan, AKP (Partido da Justiça e Desenvolvimento, islamista conservador), venceu as eleições com 50% dos votos, elegendo 316 deputados, essencialmente no centro do país. O CHP, partido republicano e social-democrata obteve 25% dos votos, com bons resultados no oeste (em cidades como Istambul ou Izmir). O partido de esquerda pró-curdo (HDP) conseguiu obter mais de 10% dos votos, o mínimo necessário para manter a representação parlamentar, correspondendo a 59 deputados, com vitórias expressivas no Curdistão. O partido nacionalista MHP obteve 12% dos votos, tendo eleito 41 deputados.
Fraude eleitoral
No entanto, o processo eleitoral decorreu com denúncias de enormes irregularidades. Há relatos de pelo menos 30 casos em que oficiais do AKP negaram a entrada de observadores voluntários nas mesas de voto e em alguns casos, a polícia deteve os observadores. Em Istambul, observadores gregos e franceses viram o seu acesso às mesas de voto impedido. Os observadores gregos foram detidos em Kumkapı e os franceses foram mantidos fechados no escritório do diretor da escola onde se votava em Bayrampaşa.
Em vários locais, membros oficiais do AKP obrigaram os outros membros das mesas de voto a assinarem em branco os relatórios dos resultados eleitorais. Só em Izmir, há pelo menos 30 denúncias oficiais destes relatórios assinados em branco. Vários carros e carrinhas sem matrículas foram avistados em frente a escolas onde decorria o ato eleitoral. Num caso, a polícia impediu jornalistas de documentar carros suspeitos. Cerca de 200 eleitores do CHP e do HDP foram impedidos de votar, no bairro de Çağlayan, em Istambul. As pessoas faziam-se acompanhar dos seus cartões de eleitor, tinham votado nas mesmas assembleias de voto nas anteriores eleições, em junho, mas os elementos das mesas de votos afirmaram que os seus nomes não apareciam nos cadernos eleitorais.
No Curdistão, a repressão escalou. Em várias localidades (pelo menos em Amed – Diyarbakır, Şırnak e Antep), as forças especiais da polícia entraram em escolas onde decorria o ato eleitoral e revistaram toda a gente à entrada das urnas. Em todo o Curdistão havia uma forte presença militar e das forças especiais, especialmente na região de Diyarbakır, onde foi recusado o acesso dos observadores internacionais. Um tradutor, chamado Ramazan Tunç, foi detido pela polícia enquanto acompanhava uma delegação dos Estados Unidos e da Itália a uma aldeia no distrito de Dicle.
Em Yenişehir, no Sul do Curdistão, seis observadores do Parlamento Europeu foram detidos e acusados de terem tentado cumprimentar os locais. À outra equipa de observadores não foi autorizado o acesso às mesas de voto na aldeia de Alangör, sob acusação de não terem consigo os seus passaportes. Em Sur, na região de Amed, ainda no Curdistão, os habitantes começaram a deslocar-se para as mesas de voto ainda durante a madrugada para poderem garantir que votavam, e foram recebidos por um grupo das operações especiais com máscaras que impediam a sua identificação. A delegação de observadores do Parlamento Europeu, ao chegar à mesma zona, também foi recebida por um grupo de polícias com máscaras. Na mesma região, a polícia ameaçou jornalistas, exigindo que não fossem tiradas quaisquer fotografias, ou poderiam “acidentalmente disparar” sobre eles. Vários polícias apagaram as filmagens feitas por jornalistas em áreas controladas pela polícia. Feleknas Uca, um porta voz do HDP para a região, garantiu que foi o governador, e não a Comissão Nacional de Eleições, a pedir a intervenção das forças especiais. Os eleitores, por sua vez, reagiram contra a repressão policial, afirmando que nunca se deixarão intimidar por um estado que emprega a sua força contra escolas.
Na aldeia de Arabaş, em Sur, outra delegação do Parlamento Europeu foi agredida pelo candidato do AKP Şafak Yentürk e pela sua família, tendo sido obrigada a abandonar as mesas de voto. O condutor dessa delegação foi agredido pelo candidato do AKP. A delegação de observadores britânicos no distrito de Çermik, em Amed, foi igualmente alvo da ira do candidato do AKP, Baran Çelik, e dos seus guarda costas, que tentaram expulsar a delegação da escola pelo uso da força. No mesmo distrito de Çermik, na aldeia Alokoç, os soldados entraram armados nas mesas de voto e tentaram intervir na votação dos eleitores.
Há pelo menos três denúncias de boletins de votos que não continham o logo do HDP. Na região de Diyarbakır, membros oficiais do AKP exigiram que tanto os observadores do HDP como a imprensa internacional abandonassem a zona das mesas de voto e ameaçaram encontrar “outras formas” de os retirar dali caso os jornalistas não o fizessem voluntariamente. Em Eskişehir, houve relatos de subornos com electrodomésticos, oferecidos por responsáveis do AKP.
Martina Michels, observadora internacional das eleições e deputada ao Parlamento Europeu pelo Die Linke, afirmou-se chocada com os acontecimentos e pela ausência de democracia na região: “Os incidentes que aqui ocorrem não cumprem qualquer critério democrático. Em nenhum outro lugar do mundo presenciei uma atmosfera tão militarista. É realmente inacreditável.”
Erdoğan consolida poder
Nas eleições de junho, o HDP ultrapassou os 10%, passando a ter representação parlamentar, e o AKP, com 240 deputados, perdeu a sua maioria absoluta. Cinco meses depois, apesar de não ter alcançado os 330 deputados necessários para votar em referendo o reforço dos poderes executivos atribuídos à presidência, Erdoğan tem a margem de manobra que desejava para fazer a revisão constitucional. Esta irá expandir os poderes executivos do Presidente, consolidando ainda mais o seu poder.
Desde a noite das eleições, o governo não perdeu tempo, a revista da oposição Nokta foi revistada pela polícia, o último número foi apreendido e os editores presos. Incursões policiais em Mardin colocaram 11 políticos curdos na prisão, incluindo um Presidente da Câmara. Conflitos entre a polícia e ramos locais do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) em Yüksekova e Silvan causaram a morte de três jovens (de 18, 20 e 22 anos). Operações policiais em 18 cidades levaram à prisão de 44 pessoas e à emissão de mandatos de captura para mais 13, numa investigação contra a organização do islamista Fethullah Gülen, rival de Erdoğan. O imã Fethullah Gülen é um antigo aliado de Erdoğan que está exilado nos Estados Unidos, onde dirige uma rede de escolas, organizações não-governamentais e empresas. É defensor da modernização do islão e do diálogo inter-religioso, sendo acusado por Erdoğan de conspiração para o derrubar. A investigação levou a ataques contra o jornal Bugün e à prisão de polícias e altos funcionários, incluindo 3 ex-governadores civis. Por último, a casa ocupada mais antiga da Turquia (Don Quixote, em Kadıköy) foi despejada pela polícia.
Fonte: Esquerda.Net, 3 de Novembro, 2015