Não existe uma explicação simples e única para a subida do voto na FN, que começou em França nos anos 80. Marine Le Pen, foto de Blandine Le Cain/flickr

Não existe uma explicação simples e única para a subida do voto na FN, que começou em França nos anos 80. Marine Le Pen, foto de Blandine Le Cain/flickr

Os resultados da Frente Nacional (FN) na primeira volta das eleições regionais [francesas] vão provocar inúmeras tentativas de explicação, em especial à esquerda, e muito bem. Eis as minhas, na forma de hipóteses que os comentadores não deixarão de criticar, e isso é também muito bom. Se pelo menos este terrível choque pudesse servir para profundos questionamentos, não seria totalmente deprimente, como acontece agora. As minhas hipóteses são as seguintes, num curto resumo porque sobre este assunto um livro inteiro não chegaria.

1) Não existe uma explicação simples e única para a subida do voto na FN, que começou em França nos anos 80. Mas podem identificar-se alguns fatores claramente importantes.

Tratando-se da subida da votação na FN em trinta anos, eis aqui alguns gráficos sobre o número de votos nas diversas eleições (fonte). A mesma fonte apresenta também gráficos corrigidos tendo em conta a evolução do número total de eleitores inscritos, mas isso não altera as minhas conclusões.

Eleições departamentais
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Eleições presidenciais
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Eleições legislativas
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Eleições europeias
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Eleições regionais
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(o site não integrou ainda os resultados das eleições de domingo passado, que é de mais de 6 milhões de votos)

2) A gestão neoliberal da crise

Pode-se comentar estes gráficos até ao infinito devido às grandes diferenças entre as eleições, o que é feito pelo site que é a fonte destes dados, mas eu concentrar-me-ei em duas questões: no seu conjunto, entre a segunda metade dos anos 80 e da década passada, os votos na FN não progridem, até regridem um pouco, apesar do episódio das presidenciais de 2002 ter sido um grande alerta. O primeiro grande salto em frente teve lugar com Sarkozy entre 2010 e 2012. O segundo entre 2012 e agora, no tempo de Hollande, Valls, Macron e outros.

É portanto na crise que começou em 2008, ou mais exatamente na gestão neoliberal desta crise pelos responsáveis políticos que acabo de citar (austeridade para o povo, benesses para os bancos e o MEDEF, desemprego e desigualdades em grande crescimento, destruição parcial do direito do trabalho, da proteção social e dos serviços públicos) que se não “explica” o aumento da votação da FN nos últimos quase cinco anos, pelo menos constitui o seu terreno fértil, por via nomeadamente do desemprego e das desigualdades.

3) O lado sombrio do desemprego e das desigualdades

Os indícios de uma forte correlação entre o aumento do desemprego e a subida da votação na FN abundam, quer se trate de análises sobre os resultados nacionais em diferentes momentos (ver o site precedente), ou de análises segundo os territórios, como o que foi publicado em abril de 2014 no Libération. Mas o outro grande fator social influente é não a pobreza mas as desigualdades: o mapa da França do voto na FN em 2014 está muito próximo do mapa das desigualdades de rendimentos, ver a análise, recheada de outros mapas bastantes significativos, do demógrafo Hervé Le Bras publicada este ano.

Dois grandes fatores sociais conjugam-se portanto (o que não quer dizer que são os únicos, mas que o seu papel parece grande): o nível de desigualdades no rendimento (a injustiça) e a taxa de desemprego (o rebaixamento, gerando diversas inseguranças e a busca de bodes expiatórios).

Ora estes fatores são precisamente os que resultam mais claramente da gestão neoliberal da crise atual, com a austeridade em tudo, o que amplifica o desemprego, e toda a espécie de benesses para os ricos e as grandes empresas, sob o pretexto da competitividade, o que amplifica as desigualdades.

4) Dirigentes políticos e “elites” desacreditados

A grande maioria dos franceses já não suporta o atual sistema político e os comportamentos das “elites”, em particular as elites políticas em que o espetáculo desolador em todas as noites eleitorais é um impulso significativo para o aumento da abstenção… e do voto na FN. Esta última joga habilmente com a legítima rejeição do sistema enquanto nada de sério propõe para o alterar. Porquê mudar um sistema que vos faz ganhar?

5) Habilidade do adversário para aparecer a ouvir o povo e do lado dos oprimidos

A FN joga igualmente com demagogia e populismo noutros temas em que a falência dos dirigentes atuais e passados é flagrante. Fiquei chocado nestes últimos dias com a capacidade dos porta-vozes da FN para privilegiar “elementos de linguagem” que têm sentido para muitas pessoas do povo e que por vezes correspondem a reivindicações tradicionais da esquerda militante. Pouco importa que isso seja poeira para os olhos em tempo de eleições, isso ganha mais uma fração da população que Macron ou Cambadélis. O “núcleo duro” da xenofobia e da intolerância, sempre muito presente, acaba por ser coberto por uma comunicação que pretende ser mais social que a linguagem das nossas “elites”. Como se admirar que esta propaganda toque muito particularmente os não licenciados ou os jovens que se veem sem futuro no sistema da oligarquia do poder?

Conclusão provisória: A FN representa na realidade 13,5%. É muito, mas é muito minoritária!

6 milhões de votos na FN em 44,6 milhões de inscritos, é 13,5%. Mesmo na minha região politicamente ferida, se a FN ganhasse a presidência, representava apenas 21% do eleitorado (909.000 em 4,24 milhões). Isso também é verdade para as outras formações. A democracia dita representativa tal como existe hoje está moribunda.

O sistema político que é preciso combater não é em primeiro lugar a FN (mesmo que também seja preciso fazê-lo) mas é em primeiro lugar o que produziu este fenómeno despolitizando a vida política, instalando a economia liberal no poder, e metendo cada vez mais a democracia entre parêntesis, como foi o caso com a adoção do Tratado de Lisboa, com a viragem para a austeridade para o povo e a “salvação” prioritária dos bancos, com a recusa da separação bancária e de uma taxação séria das transações financeiras, e como acontece sempre com a negociação secreta de diversos acordos ditos de livre comércio, com o nosso Presidente em chefe de guerra sem mandato internacional, e em muitos outros exemplos.

Mudemos o sistema, não o clima, dizem os militantes da justiça climática, de que eu faço parte. Mas há outras boas razões, para além do clima, para querer mudar o sistema.

Jean Gadrey é  professor de economia na Universidade de Lille

Original: alternatives-economiques.fr
Tradução de Carlos Santos para esquerda.net