O atletismo é uma das modalidades desportivas mais baratas e de maior impacto social. Para praticá-lo, bastam um par de tênis, um local adequado, um bom treinador e disposição. Nessa capacidade democrática e inclusiva reside a sua força transformadora. Afinal, esporte não se resume ao garimpo de metais preciosos. Ele também é cidadania.
Refletir sobre a situação do atletismo na cidade-sede dos Jogos Olímpicos nos ajuda a entender como funciona uma cidade transformada em ativo financeiro, esvaziada de sentido público, em que interesses escusos das oligarquias política e econômica se combinam em detrimento dos direitos da maioria da população.
Em 2013, o Estádio de Atletismo Célio de Barros, templo do esporte no país e espaço onde centenas de promessas olímpicas e atletas amadores treinavam, foi fechado e parcialmente destruído.
O objetivo era viabilizar financeiramente a privatização do Complexo do Maracanã, então assumido por Odebrecht, IMX e AEG, por meio da construção de um grande estacionamento.
À primeira vista, ver a cidade-sede da Olimpíada fechar um equipamento esportivo de excelência para substitui-lo por vagas de garagem pode parecer uma contradição absurda.
Não é. A marca registrada do que chamo cidade-negócio é justamente a submissão do interesse público aos desejos de um reduzido grupo de companhias aliadas ao poder político. Essas empresas são grandes financiadoras de campanhas eleitorais, partidos e bancadas parlamentares.
A aliança não é fruto da simples cooptação da elite política pelo poder da grana. Os interesses são mútuos e se misturam, fundem-se numa só substância. Companhias que patrocinam candidatos passam a dirigir a cidade.
A Operação Lava Jato vem desvendando como funcionam esses esquemas e como eles agem na organização de megaeventos como Olimpíadas e Copa do Mundo.
Recentemente, a Procuradoria Geral da República acusou Eduardo Cunha e aliados de cobrarem propina em troca de favores a empreiteiras responsáveis por obras estratégicas dos Jogos. Além de barganhar benefícios financeiros, o grupo negocia mudanças em projetos de lei para atender aos interesses das empresas envolvidas no esquema, como a OAS.
O problema não está nos megaeventos e nos negócios em si, mas na forma como são realizados. Por isso, a alegria em receber grandes esportistas e assistir às competições não impede a crítica.
Alegria não é sinônimo de alienação. Tampouco é adversária da luta pelo resgate da soberania e do espírito público da cidade, entendida como o conjunto de cidadãos que a constroem cotidianamente, e não como ativo financeiro negociado por especuladores.