por Juliano Medeiros*

 

   Fidel Castro não é apenas o principal líder de uma das mais extraordinárias páginas da história universal – a Revolução Cubana – ou o longevo líder de um povo que resiste há quase sete décadas às investidas do imperialismo contra sua liberdade. Fidel é o símbolo de um tempo: o tempo em que homens e mulheres enfrentavam corajosamente a morte em busca da liberdade, como fizeram antes dele Martí e Bolívar, como fizeram depois dele milhares de revolucionários em todo o mundo. Mas Fidel é também um homem do nosso tempo. O século XXI é pródigo naquilo que as enciclopédias antigamente chamavam de “vultos da humanidade”. E Fidel é um dos poucos nomes da envergadura de nomes como Lenin, Mao Tsé Tung, Ho Chi Min, Mandela e Gandhi, que chegaram aos dias de hoje.

   Neste 13 de agosto Fidel Castro completa 90 anos. E diante desta data extraordinária para qualquer ser humano, estive pensando, nos últimos dias, que tipo celebração a data mereceria. Já li muito sobre Fidel e aprendi a admirá-lo desde meus primeiros dias de militância política. Mas se tratando do líder cubano, sempre há formas de nos surpreender. Buscando algumas declarações recentes de Fidel, me deparei com seu breve discurso na sessão de encerramento do VII Congresso do Partido Comunista de Cuba. Nele, do alto de seus quase 90 anos, Fidel reafirma seu compromisso histórico com o socialismo, a revolução e a luta contra as opressões. Quantos chegaram a essa altura da vida sem renegar tais compromissos? Quantos não teriam deixado se levar pelo caminho fácil da conciliação? Quantos não teriam se curvado ante as promessas do inimigo?

   Em seu discurso, Fidel lembrou o lugar da história na luta pela transformação. Citou os exemplos dos pais da luta contra o imperialismo em Cuba: Maceo, Gómez e Martí. Com eles Fidel conclamou a revolução cubana a “melhorar com a máxima lealdade e força unida”. Citou, ainda, Lenin. E afirmou que seria inimaginável ver a obra do grande revolucionário de outubro ultrajada setenta anos depois, numa referência à restauração capitalista na Rússia no início dos anos 90. Mais do que isso, disse que “não devem transcorrer outros 70 anos para que ocorra outro evento como a Revolução Russa, para que a humanidade tenha outro exemplo de uma grande Revolução Social”, numa clara exortação à revolução como direito inalienável dos povos, tal como defendera em 1953 durante sua defesa no tribunal que o processara pelo fracassado assalto ao Quartel Moncada.

   Mas seu discurso não foi uma ode ao passado. Fidel dispensou uma atenção especial ao presente e ao futuro. Ele mencionou a necessidade da humanidade repensar sua relação com a natureza, sem a qual todos estaremos condenados à aniquilação. Peguntou Fidel: “como alimentar os milhares de milhões de seres humanos cujas realidades inevitavelmente colidem com os limites para a água e os recursos naturais que necessitam?” Ora, do alto de seus 90 anos, o líder da revolução cubana não deixa de adicionar preocupações a seu repertório.

   Estas palavras demonstram a grandeza de Fidel, que segue reafirmando sua fé na humanidade, na revolução e no marxismo. Por isso considero Fidel Castro um exemplo de revolucionário: nunca cedeu às tentações do voluntarismo ou da conciliação, como fizeram muitos outros líderes políticos de seu tempo; manteve a unidade do povo e da revolução através do exemplo revolucionário; apoiou a luta dos oprimidos em todos os continentes, mesmo sendo Cuba uma pobre ilha que teve que reorganizar completamente seu sistema econômico depois da revolução; apostou na transformação cultural do povo para construir o que Guevara chamou de “o novo homem e a nova mulher”; não se curvou jamais aos ditames do imperialismo e seus aliados; lutou pela paz mundial sem abrir mão da defesa ao direito inalienável dos povos à insurgência contra seus governos; construiu um modelo socialista que, apesar de suas limitações, alcançou conquistas inimagináveis. É claro que Fidel não é perfeito e, como qualquer líder político, cometeu seus erros. Mas até nisso ele é diferente de outros revolucionários: a autocrítica é uma de suas marcas mais impressionantes, que o diferencia não só de outros líderes mundiais, mas da maioria dos seres humanos.

   Ser “castrista” no século XXI, portanto, não significa defender a tomada do poder por uma pequena guerrilha mal equipada e inexperiente, mas cheia de disposição revolucionária e idealismo. Ser castrista significa, ao contrário, compartilhar dos valores da solidariedade internacional, da paz mundial, da luta pela construção de uma cultura de fraternidade. Ser castrista é acreditar na revolução como um processo historicamente possível, é ser radicalmente anti-imperialista, é buscar uma visão crítica dos demais processos revolucionários sem julgá-los. Ser castrista é reconhecer que o processo iniciado por Fidel e seus camaradas em Cuba é parte de um movimento continental que ainda não se concluiu historicamente e do qual todos os socialistas latino-americanos fazem parte, gostem ou não.

   Como escreveu Florestan Fernandes, pela passagem do 25º aniversário do triunfo revolucionário liderado pelos homens e mulheres do Movimento 26 de Julho: “A revolução cubana desvenda o futuro da América Latina. Uma nova civilização já começou a ser criada, em uma sociedade nova e por homens novos, libertos das servidões do colonialismo e do neocolonialismo. O que está em jogo não é mais o que se imaginou, na década de sessenta, ser a ‘via cubana’ para a revolução e o socialismo – a guerrilha. Após vinte e cinco anos de vitória e aprofundamento da revolução, Cuba dá uma lição de humildade, de firmeza e de determinação, inclusive que a revolução possui vários caminhos na América Latina. (…) Ela é um dos países socialistas mais autênticos e o único que imprimiu vida estuante própria ao princípio da liberdade igualitária”. Não por acaso o artigo de Florestan Fernandes levou o título de 25 anos de castrismo. A extraordinária obra a qual o grande sociólogo brasileiro se refere não é mérito de Fidel Castro, mas de todo o povo cubano. No entanto, ela dificilmente teria chegado tão longe sem a determinação, a firmeza e o compromisso revolucionário de Fidel Castro. Por isso ele é, sem sombra de dúvidas, o maior revolucionário americano do século XX e merece todas as homenagens na passagem de seus 90 anos.

 

*Presidente da Fundação Lauro Campos e dirigente do PSOL.