por Charles Rosa e Pedro Fuentes*

A quarta-feira, 31 de agosto, entra para a história como o dia em que o Senado brasileiro, por 61 votos a 20, cassa o mandato presidencial de Dilma Rousseff, sem contudo retirar seus direitos políticos [i].

Finaliza-se melancolicamente um processo de impeachment que teve início em abril, por iniciativa do corrupto Eduardo Cunha, o qual posteriormente seria afastado de seu cargo pela Justiça sob acusação de ter ocultado na Suíça mais de cinco milhões de reais desviados da Petrobras.

Há quatro meses, por 367 votos a 137, a Câmara de Deputados acolhia a denúncia de que Dilma Rousseff teria manobrado a contabilidade estatal para ocultar um rombo orçamentário no ano eleitoral de 2014.

A decisão do Senado completa o pulo de Michel Temer da cadeira de vice para a cadeira de presidente. Pela terceira vez na história e pela terceira vez de modo indireto, o PMDB – que, a bem da verdade, sempre teve um papel relevante nos governos petistas, ocupando ministérios-chave até março deste ano – chega ao Palácio do Planalto como cabeça de um gabinete repleto de corruptos, a começar pelo líder deles: Temer já foi acusado de intermediar propinas e esta sobre investigação junto a Dilma por receber suculentas sumas de milhões de reais no declarados (Caja dois), na campanha na que ambos foram eleitos. Um importante Ministro del PMDB no governo Dilma, Romero Juca, que é a sua vez a mano dereita de Temer e foi nomenado Ministro de Planejamento de seu governo teve que ser deposto despois de se conhecer um áudio no qual confessava para o receptor de propinas do seu partido que o objetivo do afastamento de Dilma Rousseff era poder abafar a Operação Lava-Jato.

Além da saída do PT, PCdoB e PDT do governo, o que altera com o impeachment é o retorno da antiga oposição burguesa ao Palácio do Planalto. O PSDB de Aécio Neves (cinco vezes citado na Lava-Jato) e do chanceler José Serra (ícone da privataria tucana nos anos 90) e o DEM de Agripino Maia (outro alvo da Lava Jato) retornam ao condomínio do poder, 14 anos depois de sucessivos fracassos eleitorais.

Portanto, a remoção do PT da presidência da República de nenhuma forma diminui a corrupção em Brasília. Nenhum grande partido brasileiro está alheio ao pântano de escândalos revelados nos últimos anos.

Se o PT foi castigado pela opinião popular como sendo um dos mais corruptos depois dos episódios do Mensalão[ii]as consultorias suspeitas de Dirceu e Palloci e, agora, o Petrolão, os outros partidos não escapam à lógica gangsterista da política brasileira. As delações dos empreiteiros presos pela Lava Jato atingem figuras proeminentes do PT, PMDB, PP, PSDB, DEM, PR, Solidariedade, etc. A pilhagem da Petrobras tem sido ecumênica nas últimas décadas.

Impeachment é antidemocrático e ilegítimo: o método golpista das elites para retirar direitos

Mas recolocando o foco no tema do impeachment: trata-se evidentemente de uma vergonhosa farsa promovida pela quadrilha mais apodrecida do Congresso brasileiro em conluio com as elites empresariais. Um “golpe parlamentar reacionário” avalizado pelo STF, que, todavia e a rigor, se distancia dos conhecidos golpes que liquidam liberdades democráticas, proíbem o funcionamento dos partidos políticos, estabelecem a censura, encarceram a esquerda e toda oposição democrática.

De fato, o golpe precariza ainda mais a democracia racionada. Entretanto, seria um lapso de lucidez insistir na ideia de que estamos agora sob uma ditadura.

O elemento mais “golpístico” da manobra que o PMDB e Cia infligiu sobre o PT reside na completa ausência de votos populares para assumir o comando do Estado brasileiro. Quem elegeu Temer foi senão a mídia corporativa, o grosso da burguesia e as centenas de parlamentares sem moral alguma para julgar quem quer que seja.

Apenas para se limitar a alguns exemplos representativos dentre vários, podemos observar as biografias da vanguarda do impeachment. O senador tucano que relatou o processo em sua fase final, Antônio Anastásia, braço direito de Aécio Neves e padrinho político de Zezé Perrela (o dono do helicóptero com meia tonelada de cocaína), já foi acusado de receber um milhão de reais em propinas. O deputado petebista que redigiu a peça acusatória na Câmara, Jovahir Arantes, tem ligações comprovadas com o bicheiro Carlinhos Cachoeira. O movimento direitista MBL, do jovem histriônico Kim Kataguiri, que foi promovido pela mídia como liderança dos atos “Contra a Corrupção – Fora PT”, recebeu grana do PMDB, PSDB, DEM e Solidariedade, justamente alguns dos partidos mais corruptos da República.

E assim toma assento um ministério repleto de caricaturas grotescas. O ministro das Relações Exteriores é lobista da Chevron, conforme revelaram documentos do WikiLeaks, e em poucos meses no cargo de chanceler já provocou um incidente diplomático ao tentar comprar o voto uruguaio no Mercosul. O ministro da Saúde é um deputado financiado pelos convênios particulares. O Ministro da Justiça já advogou para Eduardo Cunha e o PCC, além de ser um notório algoz dos direitos humanos. O ministro da Casa Civil já empregou uma funcionária fantasma em seu gabinete. O ministro do Desenvolvimento Industrial é um pastor criacionista. O ministro dos Transportes já foi condenado por roubar dinheiro da merenda estudantil em Alagoas. O ministro responsável pela inteligência e espionagem é um militar saudoso de 1964, regime que seu pai foi um dos verdugos mais destacados. O ministro da Agricultura é o “rei da soja” que já foi denunciado por lavagem de dinheiro. O ministro do Trabalho foi indicado por Roberto Jefferson, o pivô do Mensalão de 2003.

Se não bastasse atuação dos beneficiários e promotores do golpe, donos da mais baixa estirpe moral, o motivo alegado para derrubar Dilma Rousseff beira o ridículo. As chamadas pedaladas fiscais, que poucas pessoas compreendem e que a perícia técnica concluiu a sua inexistência, são na verdade fruto de uma legislação neoliberal aprovada durante o governo de FHC.

A Lei de Responsabilidade Fiscal é o cimento legislativo que possibilita cortar os investimentos nos direitos sociais assegurados pela Constituição de 88, ao mesmo tempo em que se omite sobre o grande ralo do dinheiro público no país, o gasto exorbitante com pagamento da dívida pública. A verdade é que não conseguiram implicar Dilma Rousseff num caso específico de corrupção, sem que para isso blindassem outras figuras proeminentes da casta política. Apegaram-se a qualquer desculpa burocrática para desalojar Dilma Rousseff do governo, reforçando de quebra os pressupostos mais regressivos da ortodoxia neoliberal.

Em relação direta com o método do golpe está o seu conteúdo. O que virá a seguir é uma série de medidas reacionárias.

Privatizar será a palavra de ordem do governo ilegítimo. Tudo o que for possível (Petrobras, Banco do Brasil, Correios, Infraero, etc.) tentará ser entregue para as corporações privadas, ainda que não explicitamente. Além disso, a legislação trabalhista vai sofrer constantes picaretadas. Sob a desculpa de “modernização”, os direitos serão assediados pela burguesia e a terceirização será livremente impulsionada.

A Reforma da Previdência elevará a idade de aposentadoria e tentará liquidar o regime público de contribuição, assemelhando-se ao modelo que neste momento é amplamente rechaçado no Chile. O setor financeiro continuará seu reinado, com Henrique Meirelles dirigindo o leme da economia. O plano é congelar por 20 anos os investimentos nas áreas sociais, para que se permaneça destinando quase a metade do Orçamento federal para o pagamento da dívida pública.

Na área da Educação, os golpistas planejam implementar o “Escola Sem Partido”, projeto pedagógico que elimina o pensamento crítico dos conteúdos curriculares. Bolsas de pesquisas científicas estão sendo cortadas e o programa de combate ao analfabetismo foi suspenso. Na Saúde, estuda-se reduzir a cobertura do SUS. No campo, a tentativa será de permitir a venda de terras a estrangeiros. No plano internacional, o Brasil estreitará laços com o Pentágono.

O PT cavou sua própria fossa. Esqueceu seu passado trabalhista e progressista

A definição de “golpe” (inclusive parlamentar) induz a perigosa confusão de que o governo derrubado teria favorecido os interesses das classes populares, como foi o caso de Allende no Chile, Jango no Brasil ou, há menos tempo, Chávez na Venezuela.

De longe, este não é o caso dos 14 anos de governos do PT. Houve durantes os anos lulistas, uma melhoria na economia pelo vento de popa que teve em geral Latino América graças aos elevados preços do petróleo e  o restante das matérias primarias. Isto melhorou o salario e facilitou o crédito para a compra por parte da população pobre de geladeiras, televisores e ate carros.

Teve uma tímida distribuição das bordas da renda nacional para os setores mais empobrecidos. Cerca de 1% do orçamento da União foi destinado para o programa de assistência social, Bolsa-Família; ampliou-se o acesso às universidades federais, com a aprovação das cotas raciais; o poder de compra do salário mínimo real teve um relativo crescimento.

Entretanto, essas benesses não passaram de uma parcela mínima do “bolo” que foi fermentado durante o boom das exportações de matérias-primas (minério de ferro, soja, gado, etc.) para o Gigante chinês. Como certa vez declarou Delfim Netto – o ministro da Economia durante a ditadura – “Lula salvou o capitalismo brasileiro”.

Quem mais engordou durante os anos lulistas foram justamente os grandes bancos privados, usufrutuários das taxas de juros reais e dos spreads bancários mais altos do mundo. Para se deter num exemplo, se a taxa básica de juros é de 14,25% ao ano, os juros do cartão de crédito ultrapassam a 400%. Um índice alarmante, num país em que 43% das famílias encontram-se endividadas.

A dura verdade dos governos petistas é que os bancos nunca lucraram tanto quanto neste período. A participação dos maiores bancos privados nos lucros totais das empresas brasileiras mais do que dobrou. Lula e Dilma escolheram para a condução da Economia banqueiros prestigiados nos círculos financeiros internacionais. Joaquim Lewy fez carreira no Bradesco e depois da sua traumática passagem no ministério da Fazenda em 2015 tomou assento no Banco Mundial. Henrique Meirelles (este mesmo que Temer colocou na Fazenda) era presidente da matriz do Bank of Boston quando Lula o empossou na presidência do Banco Central.

Mas as instituições financeiras não foram as únicas franjas da burguesia beneficiadas pelo lulismo. A política de “campeões nacionais” do BNDES vitaminou os conglomerados brasileiros a executarem o tradicional sub-imperialismo verde-amarelo. As empreiteiras Odebrecht, (com filiais em 40 países), Camargo Correa, OAS e Queiroz Galvão abocanharam projetos pela América Latina e África. Com empréstimos estatais, Luiz Fernando Furlan (ex-ministro de Lula) formou um dos maiores processadores de carne bovina do mundo, a Brasil Foods, o mesmo acontecendo com a Friboi.

Outra camada bastante privilegiada pelos anos Lula e Dilma foram os ruralistas. Entre 2003 e 2010, os latifúndios ganharam 100 milhões de novos hectares. E a tão almejada reforma agrária não saiu do papel, ficando atrás neste quesito até mesmo quando se compara com os governos tucanos de FHC. Não à toa, a ex-ministra de Dilma Rousseff, a senadora Kátia Abreu (expoente da luta contra a regulação ambiental e favorável à manutenção do trabalho escravo nas fazendas) ficou até o último instante ao lado da presidenta: “nunca uma presidenta fez tanto por nós”.

Em definito, o petismo desenvolveu governos social-neoliberais, distintos dos governos neoliberais clássicos justamente por serem conduzidos por forças políticas que não se originaram de iniciativas burguesas. Em síntese, burocracias sindicais foram cooptadas e gerenciaram os interesses da burguesia, nos limites da conciliação de classes durante a bonança da demanda chinesa. O casamento com o PMDB, o maior partido fisiológico do Brasil, simbolizou esse projeto.

Por que as classes dominantes se uniram para remover Dilma?

A resposta sumária a esta pergunta é que a partir de 2014, do ponto de vista burguês, o PT tinha a obrigação de aplicar uma política econômica de ajuste (leia-se, arrocho), mas, por mais que Dilma tentasse o movimento de massas não é mais controlado pelo PT, conforme junho de 2013 e o aumento vertiginoso das greves explicitaram.

A burguesia raciocina de forma instrumental. Primeiramente, um setor enxerga que o PT não serve mais para governar, depois quase todo o conjunto da classe entende isso.

As Jornadas de Junho foram, sem dúvida alguma, um divisor de água no país. Um tarifaço nas passagens de ônibus e a repressão policial fizeram eclodir as maiores manifestações espontâneas da história do país. Primeiramente em São Paulo, depois no Rio de Janeiro e restante do país, milhões de jovens saíram às ruas, indignados com as obras faraônicas realizadas pelo governo para a Copa da FIFA, enquanto a rede pública de ensino e a saúde minguavam com orçamentos falimentares.

Com o dinheiro gasto com os estádios, era possível, por exemplo, erguer oito mil novas escolas, 128 mil casas populares ou 80 grandes hospitais.

O multitudinário levante juvenil e popular nutriu um grande sentimento de rechaço aos partidos. Nenhum político, exceto os do PSOL, teve condições de sair às ruas e participar das manifestações. As sombras de milhares de pessoas projetadas sobre o Congresso Nacional simbolizam que a casta política estava totalmente desmoralizada. O Parlamento, a Rede Globo e os aparatos policiais foram contestados por todos os lados.

Ao desgaste e à fissura do regime político, demonstrados em Junho, deve agregar-se a crise econômica que chegou com força ao país em 2014, ano em que Dilma é reeleita.

Nesse momento, a essência do modus operandi petista é desnudada com total claridade. Para ganhar Dilma as eleições de 2014, promessas atrás de promessas foram embaladas pelo marqueteiro João Santana – depois preso pela Lava Jato – e, aos olhos de milhões, parecia que os planos sociais seriam aprofundados, em particular a resolução do déficit habitacional.

As contas públicas foram maquiadas durante a campanha e um mês depois da vitória eleitoral, o PT anunciava um projeto totalmente oposto ao defendido nas peças publicitárias. Dilma rapidamente caiu em descrédito popular, tornando-se a típica candidata das promessas para ganhar, igual a todos os outros que apunhalam os eleitores.

Dilma tentou repetir o primeiro governo de Lula, com a nomeação de ministros notáveis da burguesia, além dos indicados pelas bancadas parlamentares que logo depois a golpeariam. Joaquim Levy, o ministro da Fazenda “mãos de Tesoura”, representou o giro de 180 graus em relação às suas promessas.

Duas medidas vitais de arrocho foram editadas por meio de decretos, sem a necessidade de apreciação parlamentar. Uma importante desvalorização do dólar, em cerca de 80% na média, que significou o encarecimento de todas as mercadorias e um aumento leonino das tarifas de gasolina e eletricidade, resultando em terríveis consequências para os orçamentos das famílias e do conjunto da população pobre.

Contudo, ao mesmo tempo, as medidas mais pesadas e estruturais, como a reforma previdenciária e o enxugamento dos gastos dos estados, foram bloqueados de maneira oportunista pela oposição de direito, com o propósito escancarado de desgastar o governo.

A paralisia do governo, acossado pelas denúncias da Lava Jato e pela crise econômica, implicaram na perda gradativa da sua base social: Dilma bateu os recordes de desaprovação no final de 2015. A impopularidade fragilizou o plano de ajuste do PT, situação que gradativamente foi convencendo o PMDB – cujos principais dirigentes estavam na mira dos procuradores da Lava-Jato – a executar o movimento de saída temporária do governo para encabeçar junto à direita a maré do impeachment que ganhou corpo num setor importante da sociedade brasileira. Vale recordar que mais ou menos 60% dos brasileiros apoiavam o impeachment em abril, segundo as pesquisas de opinião, o que não significa de nenhuma forma que Temer e os outros políticos pro impeachment foram aclamados pela classe meia e setores populares que estiveram nas ruas convocadas por organizações direitistas.

Porque triunfa o golpe parlamentar

Uma vez remetida pela Câmara dos Deputados para o juízo do Senado, Dilma tinha possibilidades, ainda que difíceis, para enfrentar este golpe farsesco promovido por um Congresso reacionário e corrupto. Caso pensasse prioritariamente no povo e não nos interesses de seu partido, a ex-presidenta poderia convocar enfaticamente um plebiscito para novas eleições gerais. Esta foi a nossa proposta desde antes de abril. Mas Dilma permaneceu calada e inerte todos estes meses, preferindo agitar no vazio contra o golpe, sem contrapor uma outra saída que não fosse a sua continuidade no governo e reclamando dos partidos que não deixavam passar no parlamento suas medidas de ajuste.

Infelizmente a maioria acachapante do povo (segundo as pesquisas, cerca de 70%), ao mesmo tempo que defendia a saída de Dilma, estava e está por eleições gerais. Mas Dilma não encampou a bandeira de novas eleições até os “45 do segundo tempo”. As mobilizações “FORA TEMER” reuniram os petistas mobilizados e setores democráticos e da juventude, mais infelizmente não conseguiram se desgarrar do “FICA DILMA” para a maioria da opinião pública.

O povo não se mobilizou porque a maioria dos  trabalhadores brasileiros foram dirigidos por lideranças e por uma direção política que fracassou. A culminância deste fracasso está na posse de Temer, que mesmo impopular consegue assumir sem resistência porque a esmagadora maioria do povo não queria e não quer mais o governo do PT e de Dilma. Por isso, embora Ilegítima, Temer pode assumir sem ter que enfrentar o povo.

Não há assim uma derrota do povo porque suas forças não foram testadas, porque em última instância o povo Não saiu à luta e não tomou o conflito que tirou Dilma como um problema seu.

Apenas durante as Olímpiadas, quando ninguém prestou a atenção ou deu importância, Dilma propôs um plebiscito como alternativa a sua iminente queda. Mas poucos dias depois, a Executiva do PT desautorizou o seu pronunciamento, chumbando a ideia de “novas eleições”. Isso só reforça a hipótese de que o PT deseja que a direita faça o “jogo sujo” do ajuste para que Lula entre com força na disputa de 2018, munido de um discurso vitimista.

Assim chegamos a “um dia triste para a democracia, foi eleito um presidente que não tem votos”, como Luciana Genro resumiu muito bem. Laconicamente, Michel Temer, uma velha raposa fisiológica desprovida de carisma e de apoio popular – seu nome na pesquisa para 2018 não ultrapassa o modesto índice de 5% -, tomou posse definitivamente da faixa presidencial, num clima nacional de completa indiferença, típica dos velórios dos parentes menos bem-quistos.

Por outro lado, erra feio quem identifica o sucesso dos golpistas com a morte do espírito de Junho. A audácia reacionária de Temer é justamente a sua fraqueza. Sem votos, sem legitimidade, sem a chancela das urnas, Temer terá que lidar com a fissura aberta por Junho, pela qual pode se desenvolver o processo de juízes e procuradores de posição mediana que levaram para cadeia boa parte dos donos do PIB nacional. Abafar a Lava Jato sem provocar ruídos expressivos não é das tarefas mais simples. Dezenas de parlamentares de quase todos os partidos estão sendo indiciados pelo saqueio da Petrobras, que consumiram algo em torno de 30 bilhões de reais dos cofres das estatais.

Ao mesmo tempo, à medida que se golpearem os direitos sociais e à medida que as delações da Lava-Jato forem produzidas, não faltaram motivos para a população questionar um governo que ninguém escolheu.

A pesar de certa instrumentalização pela mídia corporativa, o Lava Jato é uma espada de Dâmocles sobre a cabeça dos políticos. O prestígio popular que os procuradores angariaram, ao prender empresários e políticos, dificulta a tarefa dos golpistas de sufocá-la.

Um regime de estado decadente e uma casta política alheia aos interesses do povo

A corrupção generalizada que tem atingido todas as entranhas do sistema, o fato de que os políticos tenham se convertido em negociantes de cargos e enormes privilégios formando o que se tem chamado de casta, e a ilegitimidade do golpe parlamentar mostram que o regime político brasileiro pouco tem de democrático. Não existe democracia real; não representa os interesses do povo e nos arriscamos a dizer a sociedade como tal.

No Brasil já havia sido criada a palavra “partido fisiológico” para definir a aqueles que, como o PMDB de Temer, não representavam ideias ou programas, se moviam e se localizavam pelos cargos no poder. Hoje podemos dizer que a política tornou-se “fisiológica” no sentido que todos eles são, de uma ou outra maneira, agentes dos grandes capitalistas e corporações para aqueles que terminam governando.

As relações estreitas e promiscuas entre a grande burguesia e os partidos políticos convertidos em uma casta privilegiada mostra o grau de lumpenización que há no país consequência da decadência geral que vive o sistema mundo. O lucro fácil por meio da especulação financeira característica deste período histórico que vivemos expressa-se  com toda força no Brasil. Mas isto acontece a escala mundial, também nos centros do poder imperialista. Lembremos Lehman and Brothers, e o mago das mentiras financeiras de Maddof nos EUA.

Uma nova alternativa para frear a reação e fazer uma revolução no regime político.

O povo não teve uma derrota do povo porque suas forças não foram testadas, porque em última instância o povo não saiu à luta e não tomou o conflito que tirou Dilma como um problema seu. É claro que há desorganização das forças populares e sobretudo ceticismo, resultado da direção do PT. Mas mesmo neste momento o povo busca una alternativa, uma parte do povo busca isso, como expressa a existência e a força atual do PSOL.

Assim os trabalhadores e o povo enfrentam duas tarefas: frear as medidas reacionárias e revolucionar o regime político. Para a primeira tarefa é fundamental a unidade com todos os setores que estejam dispostos a frear as medidas reacionárias. Neste sentido o PSOL estará na primeira fileira junto a todas as organizações que enfrentem mediante a luta o ajuste e as reformas reacionárias contra o povo. Neste processo acreditamos que surgiram também novos dirigentes e organizações como já aconteceu com o MTST (Movimento dos Trabalhadores em Teto), e dirigentes sindicais que defendam posições consequentes de luta.

Do ponto de vista dos trabalhadores, há uma busca por novas direções. Há poucos dias, em Porto Alegre, os trabalhadores da saúde conquistaram a condução de um dos sindicatos mais preciosos da CUT. A velha burocracia cutista já está esbarrando em muitas dificuldades para sair e mobilizar. Não sabemos que faram ante as medidas mais duras como a terceirização. Mas há a possibilidade que um grande setor negocie para salvar a manutenção dos privilégios ao invés de organizarem uma resistência decente ao golpista Temer.

A revolução no régime político necessita de muita força e luta social, da gestação de uma nova alternativa de poder. Em última instancia solo de essa maneira pode-se conquistar uma Assambleia Constituinte popular, revolucionaria que mude de raiz o atual régime político, que se bem como temos mostrado a través de este escrito está totalmente corrompido, se mantem; por isso teve o impeachment.

As próximas eleições municipais são de grande importância para fortalecer a alternativa política

Por isso a revolução no regime político que se conquistará nas ruas, tem o momento das urnas como muito importante. O PSOL, sendo ainda pequeno, (somente tem seis deputados nacionais sobre 530) tem ficado como o único partido junto ao povo e os trabalhadores e contra a corrupção. A burguesia quer aniquilar as possibilidades de crescimento do PSOL, enquanto força de contestação ao regime e alternativa. Para isso a criado uma lei que limita seu tempo de TV na eleição ao um mínimo e prepara uma reforma política para tentar tirara-lo liquidar lo.

Mas o PSOL tem muitas chances nas próximas eleições municipais. Um sintoma da dinâmica que viveremos é que PSOL aparece com força nas pesquisas de importantes cidades do país donde está por diante do PT. É o caso de Luiza Erundina em São Paulo. Freixo no Rio de Janeiro é o segundo colocado e vai a disputar o segundo turno. Luciana Genro é primeira nas pesquisas de Porto Alegre (cidade emblemática para a esquerda mundial), e também o caso de Edmilson Rodriguez em Belém. Esta situação fez que o Supremo Tribunal Federal tivesse que aceitar um recurso do PSOL e sua participação nos debates, furando um dos pontos mais agudos da Lei da Mordaça elaborada por Cunha. Querem-se parar o PSOL, não conseguirão com a facilidade esperada.

Em meio da crise social que sofre o povo e a decadência do regime e seus partidos políticos, a conquista de municípios nas quais o PSOL poderá governar; se isso ocorre o fará com a participação e a mobilização popular, que será uma alavanca para avançar na construção da auto organização y dessa alternativa capaz de criar um poder popular o duplo poder frente o regime corruto.

Criar uma nova alternativa real para disputar o poder para levar adiante o programa que cada vez mais está colocado para mudar o regime político e revolucionar as raízes da desigualdade social donde hoje a riqueza que produzimos que está nas mãos do 1%. O programa de Bernie Sanders, de Corbyn na Inglaterra, o que em seu momento levantou Chávez na Venezuela é o mesmo que o Brasil necessita.

A meteorologia política no Brasil aponta tempos cada vez mais instáveis. As hipóteses não se fecham com o sucesso de um golpe institucional. Milhares de jovens estão saindo às ruas nestes dias de vitória reacionária alertar o governo ilegítimo que quem dará a última palavra serão as ruas. A previsão é de batalhas empedernidas. Criar uma nova alternativa de poder é possível.

[i] O presidente do Senado Renan Calheiros aparentemente foi condescendente com os direitos políticos de Dilma Rousseff para mostrar a Temer que ele não tenha vida fácil no Congresso.

 

[ii]  El “mensalão” ocurrió durante el primer gobierno Lula. Consistía en el pase a un importante número de diputados (alrededor de 40) una “mensualidad” extra que oscilaba entre 30 mil a 50 mil reales, para que formen la base aliada del gobierno. Fue denunciado por el diputado de un partido amigo del gobierno PTB, y costó la cabeza del operador político y brazo derecho de Lula Jose Dirçeu hoy preso por esta y otras causas

* Charles Rosa é integrante da equipe do Observatório Internacional da Fundação Lauro Campos. Pedro Fuentes é membro da Executiva Nacional do PSOL e coordenador do Observatório Internacional da Fundação Lauro Campos.