Jorge Antunes *
Comecei a elaborar uma tese a ser apresentada no VI Congresso do PSOL, mas ela acabou sendo escrita muito lentamente. Meus dedos foram bissextos sobre as teclas do computador. Mil atividades e compromissos artísticos me ocupavam, e o tempo não me permitia atender às normas da convocatória: não sei quantos caracteres ou palavras, não sei quantas assinaturas etc etc.
Faltando 4 dias para terminar o prazo de inscrição de teses, dou por terminado meu primeiro rascunho.
Não há mais tempo de discutir o texto com meus companheiros de coletivos do PSOL. Não há mais tempo para receber sugestões, acréscimos, supressões, críticas e correções. Não há mais tempo para conseguir signatários.
Mas não posso deixar de comunicar o texto aos companheiros e companheiras, porque acredito que ele, modéstia à parte, pode dar alguma contribuição à nossa reflexão e busca de caminhos.
Assim, dou publicidade, aqui, a meu texto, deixando-o à disposição de todos os filiados e militantes e correntes, para que pincem livremente quaisquer parágrafos, frases, pensamentos, ideias ou propostas que achem ser interessantes. Autorizo desde já, a todos os redatores e signatários de teses, que usem livremente a minha contribuição que apresento em seguida.
O GOLPE PARLAMENTAR E SEU AVANÇO
As propostas que o governo golpista e corrupto de Michel Temer encaminhou ao Congresso Nacional confirmaram a tese de que o Brasil sofreu um golpe parlamentar em 2016. Várias ações escancararam os objetivos do golpe: aumentar a espoliação do trabalhador brasileiro, invalidando direitos trabalhistas conquistados durante décadas, com luta, suor e sangue.
A chamada “Constituição Cidadã” que consagrou direitos democráticos ora ameaçados e anulados, foi um avanço em seu tempo, mas necessita de urgente revisão e reescritura. Ela já sofreu, de 1988 para cá, 92 emendas, o que a desvirtua totalmente do seu caráter original. Alguns de seus artigos nunca foram implementados.
Exemplo gritante é o de número 153 que institui o imposto sobre grandes fortunas e que, por falta de lei complementar que o regulamente, nunca foi colocado em prática. A lei que pudesse regulamentar o referido imposto, nunca poderia ser elaborada e aprovada por um Congresso Nacional composto, em sua maioria, por empresårios detentores de grande fortunas.
Só uma nova Assembleia Nacional Constituinte Exclusiva, poderá elaborar uma Carta Magna que contemple os anseios atuais do povo brasileiro. Outra excrescência constitucional a ser banida da Carta, deverá ser a redação de seu artigo 142 em que, às forças armadas, não são apenas destinadas a defesa da Pátria e a garantia dos poderes constitucionais, mas também a “garantia da ordem”. Essa prerrogativa do Presidente da República foi recentemente utilizada para colocar o Exército nas ruas de Brasília, ameaçando a livre e pacífica manifestação popular.
O Brasil está sendo privatizado e vendido ao capital internacional. Potências imperialistas tratam de ocupar espaços na economia e no solo brasileiro, com a conivência de um governo e um Congresso Nacional que não representam o povo. Assim, faz-se necessária a implementação de uma urgente política em que as rédeas da nação sejam arrancadas das mãos de banqueiros, empreiteiros, latifundiários, oligopólios e entreguistas que usam a prática da corrupção como hábito.
UMA NOVA POLÍTICA
A nova política deverá abraçar a prática das expropriações de empresas corruptas, abandonando a capitulação nacional vigente, em que é praticada a conivência e a leniência. Empresários corruptos e corruptores, após a expropriação e estatização de suas empresas, deverão ter seus bens arrestados.
Urge estancar a sangria proporcionada pelo neoliberalismo iniciado com Fernando Collor, afirmado pelo governo FHC e continuado pelos governos petistas. Após sucessivas derrotas em intervalo de tempo de 12 anos, Lula conseguiu se eleger em 2002. Mas, para tanto, foi necessário se associar à burguesia nacional, a banqueiros, ao empresariado espoliador e ao PMDB, um saco de gatunos bem conhecidos.
Enquanto Lula chamou à vice-presidência o chamado “empresário bonzinho”, amaciando o grande capital com sua famosa “Carta aos brasileiros”, Dilma aceitou, como vice-presidente, um cidadão que começou sua carreira política integrando o governo corrupto e golpista de Adhemar de Barros em São Paulo.
A traição e o golpismo eram os destinos inexoráveis de tal aliança absurda e espúria. Em 1964 Dilma, então com 17 anos de idade, militava na Polop, resistindo ao golpe militar. No mesmo ano de 1964 Michel Temer, então com 24 anos, militava no staff do governador golpista Adhemar de Barros: Temer era oficial de gabinete do Secretário de Educação do governo Adhemar.
A aliança direta do PT com o PMDB e a aliança indireta com banqueiros e grandes empresários, sinalizaram, desde o início, que as promessas feitas durante a campanha eleitoral seriam esquecidas e não cumpridas.
PATRÃO X EMPREGADO
Precisamos analisar com muita profundidade a chamada “política compensatória”. Verificamos, na última década, que o assistencialismo alardeado pelo Estado brasileiro teve, como resultado, o deslumbramento inconsequente que serviu como anestesia do povo. As migalhas oferecidas garantiu a paz social, o que sempre interessou aos donos do poder e permanentes espoliadores.
Como disse sabiamente Vito Letízia: “para não haver convulsão social, o capitalismo tem que se transformar em sistema harmonioso e distribuidor de riqueza”.
A anestesia do povo tem tido até mesmo a conivência de alguns setores da esquerda. Em janeiro de 2013 a General Motors, de São José dos Campos, passou a viver séria crise e ameaçou milhares de empregados de demissão. O sindicato da classe, dirigido pelo PSTU, fez um acordo com os empresários, aceitando a demissão de 500 empregados, o acréscimo de duas horas de trabalho por dia e o trabalho aos sábados.
Slavoj Žižek foi cristalino ao denunciar a cartilha neoliberal e a nova ideologia capitalista: o chamado ecocapitalismo. Ele ensina que os capitalistas são gratos à sociedade que lhes permitiu acumular fortunas. Assim, os donos do capital passam a ter o dever de dar algo em troca: a participação dos funcionários no lucro, o diálogo com os clientes (0800), o respeito ao meio ambiente.
Žižek vai mais adiante, em sua lucidez: “O capitalismo recuperou o espírito de 68, esvaziando o discurso da esquerda. O capitalismo se tornou uma espécie de socialismo.”
Segundo Zizek, “…alguns dos pontos da lista de exigências do Manifesto Comunista (1848), são hoje aceitos pelo capitalismo: grande exceção é a abolição da propriedade privada dos meios de produção”.
Infelizmente, os pais do “assistencialismo anestesiante”, no Brasil, não admitem fazer a autocrítica. Como disse Luciana Genro, na recente Bienal da UNE, em Fortaleza, “não podemos renovar a esquerda repetindo o passado, pois precisamos construir o novo.”
DESMOBILIZAÇÃO E APATIA
O PSOL precisa, urgentemente, analisar com profundidade as causas da flagrante desmobilização popular, e construir uma união de forças de esquerda para fazer frente ao atual quadro de apatia pós-golpe parlamentar, em que o povo passivo aguarda um “salvador da pátria”.
Lima Barreto nos deixou uma máxima bastante realista e cruel: “O Brasil não tem povo: tem público”. A frase data do golpe militar de 1889 e da Primeira República, que mantiveram os privilégios das famílias aristocráticas e dos militares.
O PSOL precisa implementar mecanismos de comunicação com o povo que é plateia, que é público, no sentido de despertar, nele, o protagonismo.
Não podemos correr o risco de sermos massacrados por uma solução de conciliação das classes dominantes que imponha um “salvador direitista da pátria”. Mas também não podemos correr o risco de, contemplando a passividade das massas, ver ou incentivar a coroação de um “salvador progressista da pátria”.
O esclarecimento do povo é o caminho. Devemos, de todos os modos possíveis, conscientizar as massas de que, sem uma total reestruturação do sistema, a disputa eleitoral e a chamada democracia representativa nunca nos levarão à solução.
Em uma declaração recente, eu fiz uma afirmação audaciosa e temerária, que chocou amigos, correligionários e colegas. Eu disse: “Não quero ser, mais uma vez, candidato a deputado. O deputado tem que ser representante do povo. E eu não tenho condições de representar este povo que está aí. Só se for para representar a sociedade futura, com que sonho, e contra a qual o povo que está aí conspira”. O meu desabafo se justifica totalmente, quando observamos a estagnação que reina sob o tacão dos golpistas, dos banqueiros, dos latifundiários, dos oligopólios, dos corruptos e dos corruptores.
TEMAS PARA A NOSSA PAUTA
O PSOL, acredito eu, é o único partido que não é capaz de “pisar no pescoço da mãe”, como disse Brizola, e fazer alianças espúrias, para chegar ao poder a qualquer custo. Assim, este ficará longe de nossas mãos durante um bom tempo.
Portanto, somos os únicos que podem lançar propostas audaciosas, radicais, corajosas, inovadoras e revolucionárias.
Com esse contexto esboçado, resta-me esperar e incentivar aos companheiros de partido, às lideranças das diversas correntes internas, que urgentemente incluamos em nossas pautas de discussão os seguintes temas:
1- Presidencialismo ou parlamentarismo;
2- Sistema Unicameral;
3- Assembleia Constituinte Exclusiva;
4- Conscientização e mobilização popular;
5- Política compensatória mobilizadora;
6- Socialismo ou barbárie;
7- Reforma política;
8- Referendo Revogatório.
Fica aqui minha contribuição ao debate. Não sou daqueles que se incomodam com as disputas internas do PSOL. Mesmo que aguerridas, graves, elas acabam sempre, em última avaliação, sendo salutares. O famoso “guarda-chuva”, tanto mencionado por HH, nos idos de 2005, e que inspirou a criação do partido, entendo que deve prevalecer. Eis porque gostaria que o partido continuasse a receber, de braços abertos, grupos, polos, coletivos, que, sonhando e construindo o Socialismo no Brasil, possam se aglutinar fraternalmente, embora com disparidades e antagonismos no âmbito das estratégias e das táticas.
Coloco minhas ideias e propostas, acima expostas, à disposição e ao livre uso de todos e todas.
* Compositor, maestro, professor titular aposentado da UnB, membro da Academia Brasileira de Música, filiado e militante do PSOL-DF