por Setorial Nacional de Mulheres do PSOL
Vamos combinar que um processo presidido por Eduardo Cunha, legitimado por centenas de parlamentares brancos, homens e que estão há anos reproduzindo a velha política excludente, não poderia colher bons frutos no seu 1º aniversário.
Nós, mulheres, estamos exaustas. Se a classe trabalhadora não teve tréguas após o golpe, nós, as mais vulneráveis dessa classe, muito menos. Logo no início do desgoverno de Michel Temer, a reforma ministerial rendeu o fim da pasta de políticas públicas para as mulheres e uma nova composição dos ministérios formada apenas por homens, o que significa, em se tratando de aliados golpistas, um total de zero políticas públicas voltadas para nós.
Ainda em 2016, no final do ano, a Câmara dos Deputados e o Senado aprovaram a proposta de emenda constitucional que cria um teto para os gastos públicos, a PEC 241 ou PEC 55, a depender da Casa legislativa, que congela as despesas do Governo Federal por até 20 anos. Essa medida abocanha mais de 40% dos gastos públicos obrigatórios e só poderá ser revisada, se houver interesse, daqui a 10 anos. Mas e daí? E daí que mesmo a economia voltando a crescer, a aplicação de recursos em setores fundamentais, como saúde, educação e moradia, permanecerão congelados. Vale dizer aqui que isso nunca aconteceu em nenhum lugar do mundo. Nós, mulheres, armamos uma forte resistência contra essa medida, juntamente com os estudantes secundaristas que realizaram ocupações de escolas por todo o Brasil – com grande parte de suas lideranças formada por mulheres, meninas que sonham com o futuro e batalham por ele no presente.
As mulheres são as principais usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS), representando 58,1% dos usuários. O analfabetismo entre as mulheres negras é duas vezes maior do que entre mulheres brancas. A evasão nas universidades tem sido maior entre as mulheres pela falta de políticas de permanência que entendam nossas especificidades e também pela pressão social machista que nos impõe tarefas que não deveriam ser atribuídas majoritariamente às mulheres. O desmonte da política de ensino básico e fundamental impede a ampliação de vagas em creches e escolas públicas, impactando diretamente a vida das mulheres, uma vez que não terão contrapartida do Estado para cuidarem de seus filhos. As maiores beneficiárias dos programas de moradia também são as mulheres. Em resumo: retirar direitos fundamentais previstos na Constituição Federal é também negar às mulheres o direito à vida digna.
Já seria ataque suficiente se parasse por aí, né? Mas os golpistas discordam. O que puderem fazer para manter o privilégio do 1% e intensificar as desigualdades sociais, farão sem dó. Tanto é que as reformas que cortam direitos conquistados com muito suor pelo povo brasileiro foram colocadas como pautas urgentes a serem aprovadas, com o argumento de sempre, “vamos salvar a economia”, já desmontado por uma série de especialistas. Importante falar sobre as reformas, vamos lá.
Recentemente aprovada no Senado, a Reforma Trabalhista, que beneficia os que sempre foram beneficiados nas relações trabalhistas, autoriza que as negociações entre patrões e empregados se sobreponham à lei, ainda que isso possa prejudicar a classe trabalhadora. Mas pode isso, se sobrepor à lei? Agora pode. Pausa: em um país com 13,3 milhões de desempregados, qual é o poder de negociação do trabalhador ao pautar condições de trabalho, férias, carga horária, entre outros? Baixa. E se for mulher? Fica ainda pior. A nova reforma autoriza que grávidas e lactantes trabalhem em locais insalubres e nós, que estamos sujeitas a todo tipo de assédio e discriminação exclusivamente por sermos mulheres, encontramos ainda mais dificuldade. Vamos exemplificar com os dois pés na realidade: o trabalho doméstico remunerado é a terceira principal atividade econômica exercida pelas brasileiras, 63,4% das mulheres negras (RASEAM 2015) têm esse emprego e apenas 32,3% (Pnad 2015) com carteira assinada. Os direitos recém conquistados por elas se esvaem ralo abaixo uma vez que historicamente estiveram expostas aos abusos dos patrões.
Em pleno século XXI, o salário da brasileira média representa aproximadamente 65% do masculino no mercado informal e 75% no formal, diferença que cresce ao comparar os rendimentos de uma mulher negra aos de um homem branco. Também neste século, dados do Pnad 2014 apontam que 88% das mulheres ocupadas com mais de 16 anos realizam trabalhos domésticos. Já entre os homens, a estatística é de apenas 46%. Nós passamos 20,6 horas semanais lavando, passando, cozinhando, cuidando dos filhos e os homens apenas 9,8 horas, em média, para as mesmas tarefas. Ao final da semana, se juntarmos trabalho remunerado com trabalho doméstico, os homens trabalham aproximadamente 5 horas a menos que as mulheres.
E apesar disso, tramita na Câmara dos Deputados a Reforma da Previdência que ignora essa diferença brutal e colocará fim na diferença de idade para que homens e mulheres se aposentem. A realidade das mulheres do campo vai ser ainda mais perversa, pois das que se dedicam à atividade agrícola, 97,6% realizam afazeres domésticos, enquanto os homens, apenas 48,22%. Elas dedicam, em média, 28,01 horas semanais a esse trabalho. É quase um terço a mais que a média das mulheres da cidade e quase três vezes mais que os homens na mesma atividade econômica.
Agora deu, né? Já são muitas lutas para travarmos contra e garantirmos nossos direitos. Parece que não. A ofensiva contra os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres está sendo orquestrada a todo vapor.
O Estatuto do Nascituro (PL 478/2007), que privilegia os direitos do feto desde o momento da concepção e que transforma o aborto em crime hediondo, teve parecer favorável na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania na Câmara e está pronto para ser votado no plenário. Não sendo suficiente esse projeto, começou a ser debatida em comissão especial também na Câmara a PEC 181/2015, que a princípio seria positiva para as mulheres ao garantir a extensão da licença maternidade em casos de bebês prematuros, porém uma emenda será aplicada defendendo a vida desde a concepção. Eu ouvi golpe? Sim, golpe. Concordamos que essas discussões não deveriam nem rondar um espaço como o Congresso Nacional, afinal, que propriedade eles têm para decidir sobre nossos corpos?
Imaginem que caso qualquer um desses projetos seja aprovado, poderemos ter o fim da pílula do dia seguinte e de aborto em caso de estupro. Esses sãos os que se dizem pró-vida, mas ignoram que mais de 1 milhão de brasileiras interrompem a gestação anualmente e que muitas delas, principalmente negras e pobres, morrem em decorrência de procedimentos inseguros. Toda e qualquer resistência será mais do que necessária, por nenhuma a mais nas prisões e por nenhuma a menos na sociedade.
Por falar em nenhuma a menos, estamos sendo bombardeadas por notícias de aumento nos índices violência de gênero, principalmente estupro, estupro coletivo e casos de feminicídio espalhados pelos quatro cantos do país. Em contrapartida não vemos nenhum parecer dos governos sobre as violências cometidas contra nós, mulheres, e nenhuma alternativa voltada para políticas públicas que nos garantam autonomia e liberdade para continuarmos existindo. E sim, estamos falando também da Justiça de um país extremamente punitivista, mas que concede sem constrangimento crimes contra as mulheres. Vivemos com medo, sofremos a dor em cada notícia lida porque sabemos que poderia ser qualquer uma de nós, mas aquela mulher violentada tem história e foi reduzida mais uma vez a um número. Estamos extremamente cansadas de sermos estatística em um Brasil que nega debates tão fundamentais como o de gênero nas escolas, e por consequência parece naturalizar o fato de sermos o 5º país que mais mata mulheres no mundo. Esse modelo de sociedade não nos serve e é nisso que vamos nos pautar.
A força das mulheres não tem limites, nem fronteiras. Nós estamos constantemente em alerta e construindo a resistência por mais dura que pareça a realidade. A verdade é que estamos, sim, fartas de tantas atrocidades, mas nos reconhecemos umas nas outras e transformaremos nossa consciência de oprimidas em uma grande fortaleza que reinventará a política e a sociedade. Por mim, por você, por nós e por elas: nenhuma a menos!