por Adriano Camargo de Oliveira*
Como base dos processos de transformação social, a educação, mais especificamente o ensino básico, está constantemente em foco nas articulações políticas. De um lado, os movimentos sociais de educadores que lutam por uma escola com princípios de qualidade norteados por ideias progressistas (igualdade, coletivismo, democracia etc.), que entram em enfrentamento com o outro lado do debate, comumente os privatistas e grupos que veem a educação como um campo econômico, um serviço, que precisa e deve ser modelado e uniformizado com base nos interesses do mercado. São, a grosso modo, as influências neoliberais na educação que se arrastam pelas políticas educacionais principalmente desde o fim da Ditadura Militar (1964-1985).
Desses debates e enfrentamentos, surgem as principais políticas que regulamentam e servem de indicadores para a educação básica, por exemplo: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (L9394/96), os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) e a mais recente Base Nacional Comum Curricular (BNCC), ponto central que gostaria de fazer uma análise mais acentuada.
Desde a Constituição Federal de 1988, já estava prevista a criação de uma Base Comum para o currículo das escolas de todo o país. Na LDB, em 1996, o assunto voltou às discussões, mas somente em 2010, momento de debate para a elaboração do que se tornaria o novo Plano Nacional de Educação (2014-2024), é que se aprofundaram as ideias sobre essa base curricular. Basicamente, a recente tão propagandeada BNCC propõe um conjunto de conteúdos que seriam essenciais ao aluno da educação básica. A grosso modo, desconsideradas as particularidades regionais e culturais, desconsiderado o contexto em que a escola está inserida dadas às questões da própria cultura escolar, um aluno de região periférica, que vez ou outra tem suas aulas canceladas por enfrentamentos entre facções criminosas e as forças do Estado, deveria aprender os mesmos conteúdos que outro aluno que frequenta uma escola pública na região central da cidade.
De certa forma, a BNCC pode se tornar um entrave ao princípio de uma escola democrática que, atenta ao contexto em que está inserida, propõe uma estrutura curricular sensível aos alunos que recebe.
Então, por que criar uma Base Comum para os currículos da educação básica?
A princípio, a ideia de uniformizar as bases curriculares parece ótima, afinal todos os alunos receberiam os mesmos conteúdos e, ao final do processo, teriam a mesma carga de conhecimento. É exatamente nesse pensamento que consiste o erro. Os principais índices divulgados hoje para mensurar a qualidade da educação são os de repetência, evasão e muitas vezes o rendimento escolar. De cara, são índices que buscam uma homogeneização do contexto educacional e isso pode deixar implícito os interesses de grupos financeiros que visam uma educação mais produtiva para o mercado. Exemplo disso, a possibilidade de substituição do Ensino Médio pelo Ensino Técnico na nova reforma, formador para o mercado de trabalho, como a principal função social agregada à escola, que atinge as família em vulnerabilidade socioeconômica com a possibilidade de uma ínfima ascensão financeira em melhores condições de trabalho, sobrepondo, então, à ideia da formação para a cidadania, da formação para a democracia, da formação para a mudança social.
Os princípios de equidade e igualdade propostos pela BNCC não são sociais, mas curriculares, são princípios burocráticos com a intenção de restringir assuntos pertinentes ao contexto de cada escola. Muito mais proveitoso às escolas seria o exercício da gestão democrática, na busca de uma comunidade escolar mais ativa nas decisões escolares, de um grêmio estudantil incentivado para a participação política como um preparo para a vida pública, de um conselho escolar que se sobrepõe às decisões impetradas pelas direções das escolas que sustentam a estrutura de micropoder abafada pelo Estado.
Antes de se implementar uma Base Nacional Comum Curricular, há que se discutir os princípios qualitativos a serem almejados para todas as escolas que, muito além da inserção do aluno no mundo do trabalho, o pilar central de sustentação do modelo neoliberal de economia, desejável por uma formação acrítica, deveria, então, construir uma base democrática e mais próxima da realidade, visionária ao fim da desigualdade social, inerente às discussões de grupos minoritários que precisam exercer sua participação social com plenitude.
* Adriano Camargo de Oliveira, 24, é graduando em História da UFMS, desenvolvendo pesquisa sobre o Ensino de História em âmbito penitenciário e sobre a Gestão Democrática das Escolas. É filiado PSOL.