Camila Pires*

Longas horas desperdiçadas no transporte público precário para o deslocamento casatrabalho/trabalho-casa; dupla, e quando não, tripla jornada de trabalho, intercaladas entre as tarefas laborais, as tarefas de aperfeiçoamento profissional e as tarefas domésticas do cuidado da casa e dos filhos; baixa remuneração se comparada aos homens nos mesmos cargos assumidos e a informalidade nos postos de trabalho; esta é a realidade de milhares de mulheres, mães e trabalhadoras, nos contextos urbanos.

Uma realidade que não é natural e sim resultado de processos históricos em que as mulheres foram inseridas no mercado de trabalho sem haver promoção de igualdade na divisão sexual do trabalho entre homens e mulheres. Após a revolução industrial o trabalho doméstico executado pelas mulheres deixou de contribuir para a economia do Estado, convertendo-se tão somente em tarefas de reprodução da força de trabalho. A centralidade da mulher como executora exclusiva do trabalho reprodutivo não foi superada com a sua inserção no mercado de trabalho: ao contrário, como bem pontuou Sílvia Federici1, “a reprodução dentro do sistema capitalista não é vista como um trabalho, mas como um dom natural, biológico” atribuído as mulheres, e portanto, não remunerado. Assim, o sistema capitalista se sustenta por meio da exploração das mulheres no trabalho reprodutivo não renumerado, ou seja, o capitalismo depende de “uma separação da produção e da reprodução, e consequente hierarquização da divisão sexual do trabalho”.

Soma-se a este contexto os índices de pesquisas recentes, apontando um crescimento significativo de mulheres que comandam os lares: se em 1995 este índice consistia em 23%, em 2015, segundo informações da pesquisa Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, (Ipea)2, apontam para um salto de 40% de famílias chefiadas por mulheres. Não obstante, o IBGE apontou ainda que em 26,8% dos domicílios com filhos de casais separados era a mulher a pessoa de referência. Entre os homens, essa proporção era de 3,6%. No total de domicílios em que o pai e a mãe estão separados, em 88,2% dessas casas é a mulher a pessoa de referência.

Ora, se o trabalho reprodutivo segue sendo não remunerado e atribuído exclusivamente as mulheres, bem como crescem os índices de mães solteiras e chefes de família, quais são os limites e desafios quando se trata da emancipação das mulheres, mães e trabalhadoras, da sua condição de exploração?

É preciso denunciar, portanto, que a inserção das mulheres no trabalho produtivo (além das tarefas de reprodução), assumindo o comando no lar, não significa a sua plena e efetiva emancipação se, no mercado de trabalho, permanecem as desigualdades na divisão sexual do trabalho que impõe as mulheres a sobrecarga da jornada dupla, impõe as piores remunerações3, bem como postos de trabalhos mais precarizados, sem garantir direitos sociais específicos para as mulheres a exemplo da licença-maternidade, creches e escolas públicas de turno integral.

As mulheres, mães e trabalhadoras, não alcançarão sua plena emancipação enquanto ainda são as principais penalizadas com os escassos investimentos em serviços públicos, quadro que se agrava com a perversa agenda ultraneoliberal imposta pelo Golpe de 2016. Se os investimentos em serviços públicos já eram precários, a Emenda constitucional 95 que aprovou o congelamento em investimentos nos serviços públicos pelos próximos 20 anos afeta de forma perversa a vida das mulheres, principalmente as mães trabalhadoras negras e periféricas: Com o desmonte da educação pública, seus filhos serão abandonados a sua própria sorte, o acesso a creches públicas será cada vez mais escasso. Seguindo a mesma lógica do enxugamento do Estado, a Reforma da Previdência defendida pelo Governo ilegitimo de Temer, desconsidera todas as desigualdades do mercado de trabalho, aprofundando-as no momento da aposentadoria. O diferencial entre homens e mulheres na previdência social (que ainda garante um menor tempo de contribuição para as mulheres) é o único mecanismo a reconhecer a divisão sexual do trabalho, que destina às mulheres piores salários, piores condições de trabalho e maiores responsabilidades do trabalho não remunerado.

Em tempos de perversos retrocessos, é preciso disposição para lutar e defender a plena emancipação das mulheres, trabalhadoras e chefes de família, o que passa pela defesa de um programa radical de políticas em que a coletividade e o Estado assumam a responsabilidade pelo trabalho reprodutivo e invista na promoção de qualidade dos serviços públicos. E para tanto, é preciso ampliar o acesso a educação em tempo integral, ampliar o acesso a creches publicas, para os filhos das mães trabalhadoras; bem como investir na construção de lavanderias e restaurantes públicos para aliviar a sobrecarga da dupla jornada de trabalho das mulheres. Nenhum direito a menos!

Que no 8 de março, mobilizadas pela história das mulheres lutadoras que vieram antes de nós, façamos ecoar as nossas pautas e construamos uma importante trincheira de resistência contra a agenda de retirada de direitos do governo ilegítimo Temer!

*Camila Pires é Mestre em Ciências Sociais pela UERJ e militante da Intersindical e do Fortalecer o PSOL

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1 FEDERICI, Silvia. Calibã e a Bruxa. mulheres, corpo e acumulação primitiva. Editora Elefante; 2004.
2 A sondagem, divulgada em 2016, é realizada com base nos números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), IBGE.
3 Segundo o IBGE, os homens sempre ganham maiores salários inclusive ao assumir cargos de chefia: eles tem rendimento médio mensal de R$ 5.222 e elas, R$ 3.575, uma diferença de 31,5%.