Paulo Piramba

Paulo Piramba

As questões ambientais vêm ocupando tal espaço, que poucos de nós percebemos que palavras e expressões como “ecossistema” e “impacto ambiental”, até pouco tempo atrás, eram de uso exclusivo de pesquisadores, técnicos e militantes da área. Além da inserção na mídia, é cada vez mais comum sua presença nas agendas dos partidos, organizações e movimentos. Em muito contribuiu a divulgação dos relatórios do IPCC (sigla em inglês de Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), que colocou a atividade humana como principal responsável pelas mudanças climáticas.

Introdução

As questões ambientais vêm ocupando tal espaço, que poucos de nós percebemos que palavras e expressões como “ecossistema” e “impacto ambiental”, até pouco tempo atrás, eram de uso exclusivo de pesquisadores, técnicos e militantes da área. Além da inserção na mídia, é cada vez mais comum sua presença nas agendas dos partidos, organizações e movimentos. Em muito contribuiu a divulgação dos relatórios do IPCC (sigla em inglês de Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), que colocou a atividade humana como principal responsável pelas mudanças climáticas.

Desde as décadas de 1930-40 a população brasileira vem se tornando mais urbana, chegando a 153 milhões de pessoas (81% da população) vivendo em áreas urbanas em 2006, segundo o IBGE. Estas cidades – algumas delas, megalópoles – recebem um fluxo populacional, que cria uma demanda por serviços e equipamentos sociais em uma proporção muito maior do que elas têm condições de atender.

Este quadro tende a piorar com as mudanças climáticas anunciadas pelo IPCC. Falta d’água, doenças silvestres ou provocadas pela poluição do ar, sonora, da água e do solo já são comuns hoje. Nas cidades que substituíram a cobertura vegetal pelo concreto, ondas de calor as transformarão em fornalhas. Temporais de curta duração, mas com grande intensidade, provocarão enchentes nas cidades impermeabilizadas pelo asfalto.

Pensar em uma solução para este modelo inviável de cidade significa pensar, também, em outro modelo econômico, que seja construído em torno do atendimento das reais necessidades da maioria de suas populações. O socialismo continua sendo vital como o ar e a água. E mostrará mais vitalidade, se puder se reconstruir como idéia libertária, generosa e transformadora, que leva em conta a continuidade da vida no planeta.

A cidade e a ordem neoliberal

Não há como pensar em políticas públicas ambientais para as cidades, sem levar em conta como elas estão organizadas. No neoliberalismo, a cidade, assim como a economia, é pensada para poucos. A maneira como ela se organiza, de que maneira ela se expande, os equipamentos sociais acrescentados, a sua relação com a natureza e entre seus habitantes, tudo isso é feito para uma minoria, os seus cidadãos e cidadãs “de primeira categoria”. Como na antiga Atenas, onde para cada cidadão chegou-se a ter 18 escravos, para cada “incluído” na cidade neoliberal, existem dezenas de cidadãos de “segunda categoria”, organizados social e geograficamente para atender às necessidades dos primeiros.

A especulação imobiliária cria condomínios com segurança e conforto, e segrega seus empregados em “bantustões”, com precárias condições ambientais, sem saneamento, próximos de indústrias poluentes ou de cursos d’água envenenados. Na maioria das vezes, estes guetos ficam longe dos locais de trabalho, servidos por transportes lentos, insuficientes e poluentes. Enquanto isso, mais e mais carros são produzidos, contribuindo para a emissão de CO2 e gerando engarrafamentos.

O neoliberalismo incentiva o consumismo e submete grande parte da população ao desemprego estrutural e à pauperização dos salários. Para estes só resta construir moradias em áreas degradadas ou em locais de preservação ambiental, onde são acusados de agressão ambiental e ameaçados de remoção. Esta necessidade de consumir é alimentada por outdoors colocados em locais que obstruem a visão do que resta de natureza, ou por carros e sistemas de som estridentes, que contribuem para a poluição visual ou sonora, assim como os equipamentos urbanos de mau gosto, ou os ruídos do trânsito.

Quase todas as cidades têm, ou terão em breve, problemas de fornecimento e tratamento de água. O neoliberalismo tem se apropriado destes serviços. A perda do controle do Estado sobre a água pode levar a que enormes contingentes populacionais não tenham acesso a ela. 83 milhões de pessoas não são atendidas por sistemas de esgotos e 45 milhões carecem de água potável. 65% das internações hospitalares de crianças de zero a cinco anos são em con­seqüência dessa precariedade.

São produzidas cerca de 150 mil toneladas diárias de lixo, sendo que, em grande parte das grandes cidades, ele é despejado em lixões, contaminando fontes de água, o solo e o ar. A privatização do setor de limpeza pública não reduziu os índices de resíduos sólidos urbanos dispostos de maneira inadequada.

Tecnologias envelhecidas e poluentes, com consumo elevado de energia e água, sem tratamento adequado dos efluentes; inexistência de sistemas adequados de eliminação dos resíduos perigosos; fábricas perto de áreas urbanas ou de zonas de proteção ambiental; descargas de efluentes em águas de superfície ou subterrâneas; e armazenamento inadequado de resíduos, são causas da poluição industrial, que destrói o ambiente e ameaça a saúde dos trabalhadores – já submetidos a um regime de trabalho repetitivo e estressante – e dos habitantes que mo­ram em torno das fábricas.

Os governos locais não têm dinheiro, nem vontade política para resolver estes problemas. O governo federal concentra cada vez mais os recursos, com grande parte destinada ao superávit primário. Obras de saneamento, de oferecimento de água potável e de tratamento de resíduos são vistas como “obras que não dão voto”, o que faz com que os recursos municipais sejam usados em obras de importância duvidosa, mas com visibilidade.

O resultado é a violência. Os governos apostam no uso das forças de repressão para confinar, controlar e exterminar o que Michael Löwy chamou de pobretariado. A repressão também têm se ocupado em combater a chamada “desordem urbana” neoliberal, ou seja, aquilo que se contrapõe e conflita com a “cidade para poucos”, reprimindo os trabalhadores informais, removendo populações de áreas anteriormente sem valor, mas agora com alguma importância especulativa ou econômica, ou ainda proibindo as oferendas e demais manifestações das religiões afro-brasileiras.

Pensando uma Reforma Urbana Ecossocialista

A expansão descontrolada das cidades, a privatização dos serviços públicos e a especulação imobiliária, levaram à privatização da cidade, além da degradação do solo urbano e a eliminação das áreas verdes. A utilização das “áreas nobres” em empreendimentos comerciais afastou as pessoas do centro da cidade, aumentando o tempo gasto no transporte. A opção pelo transporte individual, em detrimento do transporte coletivo, aumentou a dispersão dos gases do efeito estufa, além do stress provocado pelos engarrafamentos.

De acordo com cálculos da ONU, as cidades estão crescendo nos países dependentes três vezes mais rápido que nos países capitalistas ricos, e os problemas ambientais são bem mais extensos naquelas cidades. A poluição do ar, provocada pelos automóveis e indústrias, combinada com a inversão térmica causada pelo efeito estufa, chegam a paralisar megalópoles. Na maioria destas cidades o lixo é acumulado em vazadouros ou queimado em lixões.

É necessária uma Reforma Urbana Ecológica tão radical quanto a Reforma Agrária Ecológica defendida pelos movimentos sociais. Uma Reforma Urbana que inverta prioridades e garanta a participação popular na decisão e no controle dos projetos, mas que também incorpore uma perspectiva ecológica nos Planos Diretores. Devolver a cidade a seus cidadãos, garantindo total acesso aos espaços e serviços públicos, à cultura, à moradia, à educação, à saúde, ao trabalho, ao transporte e ao lazer, em uma relação sustentável com a natureza.

A seguir, alguns tópicos e propostas que devem estar presentes na construção de um programa ecossocialista para as cidades:

1) Aquecimento Global

? Metas de redução de emissão dos gases do efeito estufa;

? Substituição do diesel pelo álcool e o gás nos ônibus e na frota oficial.

2) Acesso à água

? Universalizar o acesso à água, que deve ser oferecida pelo Estado, com gestão pública e controle social;

? Prioridade do abastecimento doméstico sobre o uso industrial;

? Uso social da água, aumentando a tarifa das grandes indústrias, usando o arrecadado na recuperação da bacia de origem.

3) Tratamento de Resíduos Sólidos e Saneamento

? Saneamento e água potável para populações de baixa renda;

? Utilização do biogás nos aterros sanitários;

? Organizar os catadores em associações e cooperativas, oferecendo programas de inclusão;

? Reciclar o entulho da construção civil, utilizando-o em programas de habitação popular;

? Implantar usinas de compostagem dos resíduos orgânicos em alternativa aos lixões;

3) Poluentes Industriais e Saúde

? Criar mecanismos tributários de incentivo a indústrias limpas e tributação de práticas poluidoras;

? Integrar o trabalho da vigilância sanitária com os órgãos de defesa da saúde do trabalhador, visando diminuir os impactos de manuseio ou contato com substâncias, irradiações, ruídos e temperaturas que afetem a saúde do trabalhador;

? Alterar a organização, regime e condições de trabalho, em busca de ambientes de trabalho menos estressantes e atividades menos repetitivas.

4) Reforma Urbana Ecológica

? Garantir o direito à moradia digna, com água potável e tratamento de esgotos, em locais seguros que não ameacem as reservas ambientais;

? Regularizar a posse da terra nas ocupações, preservando mananciais e áreas de preservação;

? Recuperar áreas degradadas das grandes cidades, destinando-as a projetos de habitação popular social e ambientalmente sustentadas;

? Planos Diretores ecológicos, que levem em conta o uso social do solo urbano e o conceito de pegada ecológica (1).

5) Transporte

? Transporte coletivo rápido e não-poluente, com combustíveis renováveis;

? Recuperar as malhas ferroviárias urbanas, retomando os ramais abandonados pelas empresas privadas.

6) Segurança Alimentar e Reforma Agrária Ecológica

? Criar pólos agroflorestais em torno das grandes regiões metropolitanas, com prioridade para reassentamento de ex-agricultores habitantes das suas periferias;

? Estimular a compra, nas instituições públicas, de produtos da agricultura ecológica familiar.

7) Transgênicos e Biodiversidade

? Aplicar a lei que identifica produtos que utilizam transgênicos;

? Proibir a compra, pelas instituições públicas, destes alimentos;

? Combater o tráfico de animais silvestres.

(1) Pegada ecológica é a tradução de ecological footprint e refere-se à quantidade de terra e água necessária para sustentar as gerações atuais, tendo em conta todos os recursos materiais e energéticos gastos por uma determinada população. (fonte: Wikipedia)


Paulo Piramba é filiado ao PSOL no Rio de Janeiro (RJ).