Ricardo CrôLá, bem adiante, naquele Reino tão… tão distante, entre vales e montes, riachos, lagos e fontes, vivia um Rei. O Grande Logro. Ao contrário de outros monarcas de seu tempo, ele não alcançou seu trono por descendência, por hereditariedade. Foi por incidência. Por conseqüência de sua “astuciosidade”.

Apesar de muito jovem, o “híbrido” Rei – alcunha que lhe fora dada pelas hostes oposicionistas, pelo fato de ele passear por ideologias e patronos tão díspares – já havia percorrido diversos territórios, cruzado continentes. Mancomunava-se com sultões, imperadores, mulás e aiatolás. Aliás, foi com esse legado, por essa bagagem, que ele habilmente galgou todos os degraus a caminho da glória, fez estória. Rumo ao trono, não poupou riquezas e, feito um cruel legionário, pisou em tudo, em todos. Esmagou seus adversários. Diga-se de passagem: os poucos que restaram. Pois, quando mercenários vislumbraram um novo cenário, debandaram feito lobos, buscando refúgio no Erário.

Contudo, todavia, ao poder ele foi levado dentro das regras da capengo democracia. Tanto a plebe, persuadida com as migalhas que lhes eram atiradas no dia a dia, quanto a aristocracia, ávida por um substituto ao velho Soberano que os traíra, avistaram no Rei moço, algo que pudesse lavar a alma do povo, que assistia tudo do fosso. Fantasia? E, ao mesmo tempo, fortalecer ia, as já corpulentas regalias. Quem diria!?

Rei Logro, em suas andanças – tal qual um caixeiro viajante –, vendia sua lábia, comercializava seu discurso, mas nunca pregou abertamente a tirania. Pelo contrário! No imaginário, parecia um ser gregário. Vaticinavam os periódicos em seu comentário: aquele que, mesmo não negando sua origem de lorde, privilegiará também o pobre, o proletário.

Postado ao Trono, Cetro em riste e, nem um pouquinho triste, convocou o Conselho Turro. Até aí, nada de anormal! Esse é um Reino de todos. Afinal, foi pra isso que eleito ele foi. Neca de re-enriquecer criando soja ou plantando sêmen de boi.

Logro e o Conselho Turro reunidos baixa-se um Decreto Real: danem-se o gentio, eleitores serviçais. Tendo o apoio dos poderosos, dos pensadores, e, até mesmo dos cardeais, jogue-se a Guarda Pretoriana sobre o povo e humilhe seus ideais.

O choque era a ordem: expulsem os vendilhões do tempo. Os não estabelecidos que se mudem. Afastem dos olhos da Nobreza esse cálice tinto que nos envergonha.  Antes que algum aventureiro corsário, desses que nos presenteiam com ouro, prata e iguarias, seja abordado por um esmolado, e não mais retorne ao Reino da mais-valia.

E segue: nosso Reino, esse Torrão, é dos Nobres. Nossos bancos e praças, marquises com vidraças, não são feitos para abrigar os pobres. Que voltem para suas origens, suas vilas de mazelas, suas grimpas e favelas, seus locais de moradia e desfrutem seus pantanosos piscinões. Não invadam nossa praia, mal vindos aldeões. Habitem nas periferias das cidades, mesmo sem dignidade e preservem a ecologia. Encostas ocupadas, lagoas e florestas habitadas, só por castelos suntuosos e o poder da fidalguia.

E, que nos sirvam, por conveniência, com muito esmero e decência. De preferência, que nem nos falem de suas chagas, sua saga. Em troca lhes daremos uma boa paga. Algumas moedas, de comer, de beber. Afinal, quem não vive para servir, não serve para viver. Era o que o Rei e seu Conselho tinham a dizer…

Porém, iludem-se o Grande Logro, os Turros e os Nobres… quão pobres… Cegos, não enxergam sob a névoa elitista e prestigiosa, um palmo adiante de seu quintal, et cetera e tal.

Todo santo dia a plebe desce, e não é para os festejos pagãos do carnaval – onde Rei, Turros e Nobres, se confundem com os “donos do cobre”, do cortejo colossal. Descem, sem tempo para um ensaio geral, desfilam no comercio, são destaques nos serviços e balançam nas construções do Reino. Requebram e batucam na condução e não fazem feio. Desde a concentração, trazem a necessária harmonia que auxilia na evolução.  Da reconstrução, do novo. Quem dera poder reunir a sapiência dos Nobres, a obediência cega dos Turros e a liderança de um Rei Logro à bela saga do nosso povo.


Ricardo Crô
é escritor e compositor