O homem que amava cachorrosRevoluções como a francesa e a bolchevique trariam o vírus da auto aniquilação de suas lideranças, essa é a tese subjacente ao romance O Homem que amava os cachorros, de Leonardo Padura (Editora Boitempo). Em seiscentas páginas, o autor vai desfibrando a última década de vida de dois homens: Trotsky e Juan Mercader. O segundo matou o primeiro com um golpe de picareta no crânio, em 1940, em Coyoacán, México. Ambos eram comunistas, mas Trotsky estava no exílio, por divergir de Stálin, e foi vítima deste. Mercader infiltrou-se entre os seguidores de Trotsky até ser recebido sem suspeitas na casa onde o exilado morava. Atacou-o no momento em que ele alimentava os coelhos.

Leonardo Padura é cubano e expõe algumas mágoas com o sistema, principalmente no tocante à censura. É um homem de 62 anos que passou a maior parte da vida imaginando que Trotsky era um traidor e que Stálin tinha razão. Não perdoa o governo cubano por isso. Acho que essa postura compromete um pouco o romance. Ele toma partido. O livro é escrito na terceira pessoa e cheio de adjetivos. Mercader morou em Cuba e o autor o conheceu ou conheceu um amigo dele. Isso não fica claro. Mercader carregava uma cicatriz na mão, feita pelos dentes de Trotsky quando reagiu ao ataque. O assassino não conseguia esquecer o grito da vítima. Isso é muito bem descrito, de uma fora um tantonoir. Padura é autor de livros policiais. Há muita informação na obra, muita pesquisa. Imagino que se ele optasse pela primeira pessoa dos dois personagens, o livro poderia ter alcançado um nível ainda melhor. Ele deixaria que o leitor decidisse a vilania ou o heroísmo dos personagens.  Mas, de qualquer forma, é uma obra admirável e envolvente que se lê sem esforço. Para quem sonhou algum dia com o socialismo implantado no planeta, é um livro triste. Mas, certamente aprendemos alguma coisa.

Flávio Braga é escritor