Chego à sacada e vejo a minha serra, a serra de meu pai e meu avô, de todos os Andrades que passaram e passarão, a serra que não passa. (…) Esta manhã acordo e não a encontro. Britada em bilhões de lascas deslizando em correia transportadora entupindo 150 vagões no trem-monstro de 5 locomotivas – o trem maior do mundo, tomem nota – foge minha serra, vai deixando no meu corpo e na paisagem mísero pó de ferro e este não passa.
“A montanha pulverizada” Carlos Drummond de Andrade.
Mariana (MG), quinta feira, 05 de novembro de 2015. A barragem do Fundão, repleta de uma lama tóxica (oriunda dos rejeitos da mineração de ferro), se rompe causando o maior desastre ambiental da história do país. A empresa responsável é a Samarco, de propriedade da Vale e da BHP Biliton, a maior mineradora do mundo.
Sexta feira, 13 de novembro de 2015. Mais de 130 pessoas são assassinadas em 6 ataques terroristas no 11º distrito de Paris. Mais de 350 feridos. A “cidade luz” se apagou. O mundo se estarreceu. O terror foi cirúrgico e coordenado em seu ataque.
Também em Paris, em janeiro, o terrorismo do Estado Islâmico (EI) atacou a redação do jornal “Charlie Hebdo”, matando 12 de seus integrantes, entre eles alguns dos chargistas que criaram imagens irônicas ao profeta Maomé.
Dois ataques, dois objetivos. No primeiro o objetivo era explícito: calar uma voz crítica ao “islamismo puro” do EI. No ataque de sexta, o objetivo era igualmente explícito: estádios de futebol, boates, bares e cafés não são mais lugares seguros em Paris, a cidade mais visitada do mundo. Turistas e parisienses não terão paz em locais de diversão.
Lembremos que o ataque da Al-Qaeda de 11 de setembro de 2001 nos EUA tinha como endereço o coração financeiro e político do imperialismo: as torres gêmeas do World Trade Center, o Pentágono e a Casa Branca. Terroristas gostam de mandar mensagens, explícitas ou subliminares, em seus ataques.
Muitas pessoas no Brasil se indignaram com o destaque, na verdade um verdadeiro massacre midiático das principais redes de TV, rádio e jornal do país, que exploraram e continuam explorando, à exaustão, o ataque, muitas vezes com informações pra lá de inúteis. Horas e mais horas de “coberturas exclusivas”, na maioria das vezes atrás de audiência a partir da desgraça alheia. Até a presidente Dilma, que demorou mais de uma semana para se pronunciar sobre o desastre humano/ambiental provocado pela Samarco-Vale-BHP Billiton em Minas Gerais, foi rápida em prestar solidariedade ao povo e ao presidente francês, François Hollande.
Não se trata de estabelecer paralelo ou comparações sobre o que é mais chocante ou mais digno de solidariedade. Se o escopo da abordagem se limitar a esse viés, essa é uma discussão estéril e que não nos serve de muita coisa. Não é mais “revolucionário” e/ou “válido” se solidarizar com Mariana e rechaçar a solidariedade ao povo francês. A questão é mais profunda.
Devemos repudiar veementemente o ataque terrorista em Paris. As vítimas, a maioria trabalhadores, com certeza inocentes, não tem responsabilidade direta sobre a nefasta política externa do governo francês. Ao mesmo tempo devemos manifestar nossa irrestrita solidariedade ao povo mineiro atingido pelo desastre do rompimento das barragens de lama tóxica da Samarco-Vale-BHP Billiton.
O desastre em Minas tem proporções extraordinárias. Os desaparecidos, os mortos, as cidades destruídas, as milhares de pessoas atingidas pela lama e pela falta de água, o crime ambiental, os animais mortos, o rio que de doce se transformou em fel, são apenas a ponta de um iceberg de descaso e destruição impostos pelo modelo de exploração de nossas riquezas naturais. Alguns especialistas afirmam que levará mais de 100 anos para que a situação volte ao normal. Exagero ou não, a verdade é que há cidades como Governador Valadares, com mais de 280 mil habitantes, que passaram dias e mais dias sem água para beber. Os caminhões-pipa chegaram a ser escoltados pela polícia, pois muitos foram saqueados. A que ponto chegamos? Brasileiros e brasileiras saqueando caminhões que transportam água! A empresa, que sequer tinha plano de emergência para um possível evento destes, está mais preocupada com o prejuízo econômico, que com as vidas perdidas e a destruição do meio ambiente. Nada de novo, afinal essa é a lógica do capitalismo.
Vamos agir e exigir que a Samarco-Vale-BHP Billiton seja devidamente responsabilizada pelo desastre. Mais que isso, precisamos saber das reais condições de segurança das 735 barragens semelhantes à do Fundão, que existem atualmente em Minas Gerais.
Outro “detalhe” importante, que não podemos esquecer: a Vale é uma das empresas que mais “doam” dinheiro nas campanhas eleitorais. Em 2014, através da Vale Energia, Vale Manganês, Salobo Metais, Minerações Brasileiras Reunidas e Mineração Corumbaense, todas ligadas à Vale, “contribuiu” com mais de 22 milhões de reais aos principais partidos. Foram mais de 11,5 milhões ao PMDB, mais de 3,1 milhões ao PT e ao PSDB, 1,5 milhão ao PSB e ao PCdoB e assim vai. Aliás, a imprensa já relatou que a maioria dos deputados estaduais de Minas Gerais, do Espírito Santo e mesmo os federais encarregados de investigar o rompimento das barragens, recebeu “doações” da Vale em valores que vão de 368 mil a meio milhão de reais.
As doações ao PMDB foram quatro vezes maiores que as feitas ao PT e ao PSDB por uma simples razão: o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), uma autarquia vinculada ao Ministério das Minas e Energia (MME), é o órgão responsável pela fiscalização da mineração no país. Tanto o DNPM quanto o MME são controlados pelo PMDB. Coincidência? Pouco provável.
Voltando a Paris e aos ataques terroristas. Algumas pessoas manifestaram uma certa simpatia acanhada ao ataque do EI. Afinal, raciocinam, atingiu um dos baluartes do império do capital. Pensamento simplista e equivocado. O ataque terrorista não atinge a política imperial francesa. Muito possivelmente vai não só reforçá-la, mas aprofundá-la. É possível que a direita francesa, capitaneada por Jean-Marie e Marine Le Pen, se fortaleça em sua xenofobia. Outra possibilidade, que já está se dando, é que o próprio Hollande, na tentativa de recuperar sua imagem, endureça a política externa.
A questão dos refugiados deve se acirrar depois dos ataques. Justamente o que o EI quer. Isso mesmo, o Estado Islâmico quer medidas mais radicais para combater a fuga das populações iraquianas e sírias dos territórios ocupados. Umas das maiores evidências dessa intenção são os indícios de que os terroristas e os homens bomba levavam passaportes sírios nos ataques, numa clara demonstração de que mesmo depois de mortos eles serviriam à causa de reprimir a acesso de refugiados ao velho continente. O Estado Islâmico está longe de ser uma organização progressista. O fundamentalismo religioso é a base de uma estrutura teocrática reacionária e fascista.
O EI é responsável pelo maior seqüestro de mulheres deste século. São cerca de 5 mil mulheres, na maioria crianças, chamadas de “sabya” (escravas de guerra) seqüestradas no Iraque, boa parte são da minoria Yazidi. Não menos que 80% delas são sistematicamente violentadas e estupradas. Há relatos de jovens estupradas por 18 homens durante horas. Muitas se matam, enforcadas, eletrocutadas ou degoladas. Crianças de 9 anos são violentadas em nome de uma leitura deturpada dos princípios islamitas. Usar perfume, roupa estampada ou menos de três véus, pode significar ser chicoteada ou apedrejada até a morte. Ao total são mais de 4 milhões de mulheres sob domínio facínora do Estado Islâmico. Não, isso nada tem de progressivo.
Entre tiros e bombas, a hipocrisia de Obama!
“Trata-se de um ataque não só contra os franceses, mas contra toda a humanidade e contra os valores que compartilhamos“. Com essa frase de efeito o presidente americano Barack Obama expressou sua “solidariedade” ao povo francês.
Vale a pena se debruçar sobre essa frase. O que afinal, o todo poderoso presidente americano quer dizer com “crime contra a humanidade”? Só o terrorismo do estado Islâmico é um crime contra a humanidade? Será que a política externa/militar dos EUA, que consome bilhões de dólares anualmente, não é uma ameaça à “humanidade”?
Uma pesquisa feita pela Worldwide Independent Network of Market Research (WINMR) e Gallup International, feita em 2013, e que ouviu mais de 66 mil pessoas em 68 países, constatou que uma em cada quatro pessoas vê os EUA como a mais importante ameaça ao planeta e à paz mundial. Lembrando que os EUA têm mais de mil bases militares estratégicas, espalhadas por mais de 100 países em todos os continentes. Atualmente o governo americano está diretamente envolvido em cerca de 80 conflitos ao redor do mundo. Na verdade desde a Guerra da Secessão (1861/65), não há um dia sequer que os EUA não estejam em guerra com alguma nação mundial. São 150 anos ininterruptos de guerra permanente. A rigor o maior estado terrorista do mundo é o próprio estado americano, os milhares de inocentes mortos em nome de sua “guerra ao terror”, não deixam dúvida disso.
Além disso, as agências de espionagem americanas mantêm um invasivo programa de vigilância global que elimina qualquer possibilidade de privacidade. Que o digam Angela Merkel e Dilma, que tiveram suas comunicações espionadas pela CIA.
Mas não apenas isso. Os EUA continuam a financiar e treinar militarmente diversos grupos pelo mundo afora, sempre em consonância com seus interesses econômicos, militares e políticos Recentemente o governo americano anunciou que desistiu de treinar soldados sírios e iraquianos que lutam contra o Estado Islâmico. Não por dor na consciência, mas por falta de material humano. O Secretário de Defesa americano, Ash Carter, reconheceu que a meta de treinar 5.400 soldados sírios, fracassou, pois só 60 candidatos se habilitaram para o programa, que tem recursos da ordem de 500 milhões de dólares. Há mais de três mil especialistas americanos em solo iraquiano, tentando treinar e armar grupos paramilitares para enfrentar o EI na região.
Aos olhos do mundo, e ao seu público interno, os EUA querem aparecer como principais oponentes do Estado Islâmico. Mas a verdade não é bem essa: o fato é que, num passado bem recente, os EUA treinaram, armaram e financiaram grupos como a Al-Qaeda, Saddam Hussein e o próprio Estado Islâmico. Para comprovar isso temos, além das revelações feitas pelo site Wikileaks (que disponibilizou mais de 3 mil documentos secretos sobres esse tipo de operação), a farta documentação divulgada pelo jornal inglês The Guardian. Além disso, basta observar as aparentemente contraditórias manobras político/militares estadunidense na região nos últimos 30 anos.
Durante a guerra Irã x Iraque o governo americano aliou-se a Saddam Hussein. Em 1985, ainda durante a guerra, Saddam Hussein enfrentou uma rebelião interna do povo curdo. Com a anuência dos EUA, Hussein aniquila a rebelião curda, usando para isso todas as armas possíveis, inclusive as já proibidas armas químicas. As baixas, entre iraquianos e iranianos, chegaram a 700 mil pessoas.
Na mesma época os EUA se envolvem em outro conflito importante: a guerra do Afeganistão. Desta vez apoiaram ninguém menos que um próspero jovem saudita chamado Osama Bin Laden, que coordenava um exército de aproximadamente 4 mil soldados.
Todas estas movimentações, que a princípio parecem erráticas, fazem parte das estratégias e táticas dos EUA e seus aliados para a região. A lógica parece ser a famosa “inimigo do meu inimigo, meu amigo é”. O problema é que, na maioria dos casos, os grupos financiados, treinados e armados pelos EUA, acabam, cedo ou tarde, se voltando contra estes mesmos americanos e aliados. O velho ditado “diz-me com quem andas e te direi quem és”, parece se aplicar perfeitamente aqui. Os EUA, que já andaram de braços dados com Saddam Hussein, Osama Bin Laden e o Estado Islâmico, tem pouca ou nenhuma autoridade para se posicionarem como paladinos da ética, da democracia e da luta em prol da “humanidade”.
Ao relembrar a frase de Obama, “Trata-se de um ataque não só contra os franceses, mas contra toda a humanidade e contra os valores que compartilhamos”, resulta óbvio que o central de suas preocupações está mais nos “valores” que ele tem, que na “humanidade”. Seus valores são a manutenção do domínio americano na região, a disposição de infringir derrotas ao governo russo, o monopólio dos recursos de combustíveis fósseis da região, o controle de uma região estratégica que funciona de ligação entre ocidente e oriente, a manutenção do estado de Israel como seu enclave militar, entre outros “valores” nada humanizados.
Outro registro de hipocrisia foi o revoltante silêncio que a imprensa mundial destinou ao ataque terrorista do grupo Boko Haram à aldeia de Kukawa, perto do lago Chade, no nordeste da Nigéria, quando 100 pessoas foram executadas. Parece que a morte de negros não é tão relevante quanto a morte de brancos.
Este histórico, cheio de siglas e com eventos ocorridos há décadas, foi necessário para demonstrar que os EUA não têm escrúpulos na sua política internacional. O que move seus posicionamentos são seus interesses econômicos, políticos e militares. Isso nada tem de “humano”. Se analisarmos a imbricada história da CIA nos golpes militares na América Latina, veremos o mesmo pragmatismo: o negócio e o lucro acima de tudo.
Dito isto reiteramos que estes atos terroristas não são ferramentas revolucionárias. São ações vanguardistas, apartadas das lutas de massa e que em geral acabam por prejudicar a luta revolucionária ao fortalecer indiretamente os setores mais à direita e ao se isolar da vida real dos movimentos sociais. A verdadeira luta contra o poder imperial do capitalismo se desenvolve nas ocupações urbanas, nas greves e mobilizações do povo trabalhador, nas lutas da juventude, na luta contra as opressões e contra a corrupção endêmica da sociedade burguesa. A revolução socialista será obra de milhões, e não de um grupo de iluminados, por mais abnegados e corajosos que estes sejam. O que, diga-se de passagem, não é o caso do Estado Islâmico.
Uma das conseqüências mais nefastas destes ataques vai ser sua associação ao afluxo de refugiados oriundos da Síria. A Europa já recebeu, só esse ano, mais de 700 mil refugiados. Se vimos muitas demonstrações de solidariedade, também vimos comportamentos xenófobos extremamente violentos. A guerra na Síria assumiu as proporções atuais justamente porque é uma peça do tabuleiro mundial da disputa das potências capitalistas, logo o continente europeu é diretamente responsável pelo que acontece na Síria. Assim sendo não pode se omitir ou rechaçar a horda de homens, mulheres e crianças que diariamente chegam ao continente. As pessoas estão fugindo da morte, da miséria e da guerra. No passado ninguém ousaria rejeitar ou repatriar os milhões que fugiram do nazi-fascismo. Não aceitamos o fechamento das fronteiras. Se quisermos resgatar o “humano” nisso tudo, devemos exigir abrigo e acolhimento aos refugiados.
Não nos esqueçamos que muitos países europeus (Inglaterra, Espanha, Portugal, França, entre outros) construíram boa parte de sua bonança, saqueando países na Ásia, África e América. Os conquistadores e invasores europeus não bateram na porta, não pediram permissão. Se impuseram pela força da espada e da baioneta, não pela diplomacia.
Lembremos ainda, que a sociedade burguesa-democrática não se estabeleceu democraticamente. Muito menos por meios pacíficos. A sociedade socialista também significará uma ruptura. O grau de virulência e violência que essa ruptura terá não pode ser estabelecido de antemão, mas é pouco provável que seja tratada no campo da diplomacia. Logo a polêmica aqui não é entre pacifistas e não pacifistas, mas quais métodos são válidos na luta revolucionária e quais não são. E este tipo de ataque definitivamente não se encaixa na luta socialista. Nem pelo método, nem pelos protagonistas.
Com o alarmante número de homicídios que o Brasil tem, a cada dois ou três dias temos números iguais, ou superiores, aos dos atentados de Paris. Nossa juventude, em geral os negros da periferia, morrem aos montes, seja nas chacinas tradicionais cada vez mais freqüentes, seja na chacina de “doses homeopáticas” que acontece diariamente pelo Brasil afora. Isso não parece incomodar mais ninguém. Foi naturalizado. O estado trata da questão como estatística e boa parte da sociedade já não se incomoda com esse genocídio diário a que estamos submetidos. Alguns até defendem.
Por isso mesmo não podemos nos calar diante desse massacre e nem diante dos ataques terroristas. É preciso denunciá-los e repudiá-los de forma veemente.
Mariana e a morte da inocência
A volúpia e a sanha capitalista não têm o menor pudor em sacrificar a vida e a natureza. O que parece insano, na verdade segue a lógica do capital. Vejamos os números da fome no planeta na opinião de um especialista na área. Jean Ziegler, relator para o direito à alimentação da ONU entre 2000 e 2008, revela que a cada 5 segundos, uma criança de menos de 10 anos morre de fome no mundo. Mais de 56 mil pessoas morrem de fome a cada dia e 1 bilhão de seres humanos são permanentemente subalimentados. Em 2013 aproximadamente 70 milhões de pessoas morreram. Destes, 18,2 milhões morreram de fome ou de suas conseqüências imediatas. A fome é, portanto, a maior causa de mortalidade do nosso tempo!
Não existe falta de alimentos, o que falta é a comida chegar a quem precisa. Atualmente a população global gira em torno de 7,2 bilhões de habitantes. A agricultura mundial poderia alimentar normalmente, com uma dieta de 2,2 mil calorias por dia, 12 bilhões de pessoas. O setor de alimentos é o mais concentrado e cartelizado da economia mundial, mais até do que o petróleo. Há 10 grupos multinacionais que controlam 85% dos alimentos comercializados no mundo. A fome é, fica evidente, um problema político e econômico. Só quem tem dinheiro pode comer. Outros direitos universais, como educação e saúde seguem a mesma lógica irracional.
Se o capitalismo faz isso com a humanidade, que dizer do que faz com a natureza? O “humanizado” Barak Obama se recusa a assumir compromissos efetivos na redução do aquecimento global e na redução do efeito estufa. A cada ano os EUA despejam 5.762.050 toneladas de gás carbônico na atmosfera, sem o menor compromisso com a qualidade de vida no planeta. Aliás, este será um dos temas a ser debatido em Paris, quando da realização da COP21 (Conferência Mundial do Clima).
O desastre em Mariana revela toda a hipocrisia de nossa legislação e prova, na prática e de maneira dramática, que o propalado “compromisso social” das empresas não passa de propaganda enganosa. Vejamos o exemplo do rompimento das barragens, que já é considerado como uma das maiores tragédias do mundo na área da mineração. A empresa Samarco-Vale-BHP Biliton, não possuía Plano de Ação para situações como essa. Pelos seus “cálculos” o município de Bento Gonçalves, destruído pela lama, não fazia parte da área de abrangência dos impactos da barragem. A “vistoria” e o “laudo” atestando perfeitas condições da barragem podem ser feitos pela própria empresa ou por alguém pago por ela. É como se colocássemos o lobo para tomar conta do galinheiro, esperando que ele zele pela segurança e saúde das galinhas.
A Vale, que tirou o rio doce de seu nome, está ajudando a Samarco a matar o rio que lhe deu origem.
Segundo o IBAMA, foram 5 rompimentos de barragens nos últimos 10 anos, o que comprova o risco dessa atividade e a decadência das legislações em vigor. A morosidade da lei beneficia os grandes empreendimentos. O DNPM, que deveria fiscalizar e controlar a produção mineral, funciona mais como uma subsecretaria das grandes mineradoras e não como órgão de controle. Em 2014, tinha à sua disposição 10 milhões de reais para garantir a fiscalização da produção mineral, mas só usou 13% desse valor, ou seja 1,3 milhão. Em Minas Gerais, tem apenas 4 fiscais para as mais de 700 barragens no estado. A situação do IBAMA não é menos revoltante: aplicou mais de 4,8 bilhões de reais de multas. Mais de 2 bilhões são multas sem qualquer possibilidade de recurso, mas como quase ninguém paga essas multas, o órgão só arrecadou pouco mais de 140 milhões de reais. As multas aplicadas à Samarco até agora somam R$ 250 milhões. A pedido do Ministério Público Federal e do MPE de Minas Gerais a Samarco, através de um acordo, vai desembolsar 1 bilhão de reais para recuperar o meio ambiente da região. Uma ninharia se comparada à multa de mais de 170 bilhões de reais, aplicada pelo governo dos EUA à empresa BP, que em 2010 causou um vazamento de óleo no Golfo do México.
A produção minero-metalúrgica tem alavancado a economia de muitos estados e do país, mas os custos sociais, o gasto com energia e com água, os impactos ambientais e a degradação da natureza são enormes. O lucro imediato sacrifica a vida futura. Esse é um preço que não deveríamos pagar.
Estima-se que o transporte do minério de ferro, via mineroduto (que usa água como vetor de transporte) utilize anualmente mais de 13 trilhões de litros de água. A Samarco-Vale-BHP Biliton tem um dos maiores minerodutos do mundo. Enquanto isso a população mineira e do entorno das barragens sofre com rios mortos e sem água. Tudo isso é visto como normal pela lógica do capital.
O Brasil, atolado até o pescoço no mar de lama da corrupção, agora está atolado literalmente na lama dos grandes projetos, que causam impactos terríveis ao meio ambiente sem que nenhum retorno seja proporcionado às comunidades atingidas. A “mitigação” desses efeitos ou as “políticas compensatórias” beiram o ridículo e a provocação ao bom senso. É como se uma mega empresa derrubasse sua casa e desse em troca uma rede para atar entre os postes de energia elétrica e esperasse que você ficasse satisfeito e feliz.
Muitos estudiosos chamam essa volúpia predatória, esse saque desenfreado e ensandecido que destrói irremediavelmente a natureza, de terrorismo ambiental. Uma nova espécie de violência continuada que, em nome de um suposto “desenvolvimento”, está exaurindo recursos naturais, criando demandas artificiais e supérfluas para satisfazer o deus-mercado, que move a engrenagem do mundo do capital.
Não se trata de propaganda panfletária nem de uma visão catastrofista. Trata-se de uma definição bastante real, que aponta para a real dimensão dos danos que estão perpetrados contra a humanidade e a natureza.
Paris e Mariana são, portanto, vítimas de ataques terroristas. São dois lados de uma mesma moeda. Não construamos falsas dicotomias entre estes dois eventos. A causa, por mais simplista que possa parecer, está no capitalismo. Um sistema que deixa 56 mil pessoas morrerem de fome a cada dia e que prostitui a natureza, em nome do “desenvolvimento e do progresso”, não merece mais prosperar. O capitalismo, já está mais que comprovado, esgotou suas possibilidades de solução criativa e harmônica dos dilemas que ele mesmo engendrou. Está na hora de pensarmos grande, na hora de construirmos o fim desse sistema. Está na hora do Socialismo e da Liberdade.
A serra do poeta Drumond de Andrade não existe mais, britada que foi em milhões de lascas. O rio que desde suas margens viu Sebastião Salgado crescer está cego e morto. A poesia perdeu a inspiração. A vida, para reflorescer, precisará de muito tempo. Um tempo que talvez não tenhamos mais. Fica a lição, a revolta e a certeza da falência desse modelo.
Só um modo de produção livre das amarras do mercado e da propriedade privada pode estabelecer relações harmônicas entre a técnica, a humanidade e a natureza, construindo uma unidade de interesses em nome do bem comum e da superação definitiva dos antagonismos e das opressões que tem marcado a história recente da humanidade. Utopia? Pode até ser, mas uma bela utopia que vale à pena ser vivida.
Belém, novembro de 2015.
Fernando Carneiro é membro do DN do PSOL e vereador em Belém do Pará