Os horrores dos campos de concentração nazistas colocaram o século XX ao lado da Inquisição na Idade Média e aterrorizam e envergonham a humanidade até hoje. Alguns momentos do cinema buscaram retratar a sordidez humana desses centros de extermínio, mas nenhum deles chegou perto de O filho de Saul, de László Nemes, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Mas o que torna essa obra tão poderosa? Entendo que há uma evolução na linguagem cinematográfica presente neste filme. É a narrativa na primeira pessoa. Toda a cena se dá com o protagonista em PP (primeiro plano). O espectador está sempre junto a ele, vivendo o seu terrível drama. O quadro fechado nos permite ver apenas trechos de imagens dramáticas, partes de corpos amputadas, incêndios, assassinatos… Se a opção tivesse sido o PA (plano Americano) o filme seria inviável para o público médio. A trilha sonora é muito importante num filme assim. Ouvimos os gritos, as vozes desesperadas, o choro das crianças, os disparos e montamos com a nossa imaginação os horrores que não visualizamos.
Praticamente não há diálogos no filme, apenas troca de palavras quase sem sentido, ordens, gritos. O protagonista, que trabalha ajudando a se desfazerem dos cadáveres é também um prisioneiro condenado. Ele faz isso sabendo que será morto nos próximos meses. Seus colegas planejam um levante, mas ele imagina ter encontrado o corpo do próprio filho e busca um Rabino que o ajude na cerimônia de enterro. Mas isso não é permitido. Os cadáveres são incinerados. Ele esconde o corpo do menino e continua nessa busca insana. Fica para o espectador a dúvida se, de fato, o garoto era seu filho ou sua determinação é apenas em busca de um sentido diante do absurdo real.
Flávio Braga é escritor