1. Governadores de dez estados reuniram-se em Brasília com o novo ministro da Fazenda, a respeito da iminente regulamentação da Lei que alterou o indexador das dívidas estaduais e municipais.
2. Enquanto a União é escorchada pelo serviço dívida, em favor dos bancos, transnacionais e rentistas, ela suga os entes federativos, desde a federalização das dívidas, em 1997, principal fator de estarem quebrados financeiramente.
3. Esse esquema faz parte do conjunto de medidas antinacionais, impostas pela oligarquia angloamericana, através do FMI e dos bancos mundiais, a que se submeteu o governo do PSDB, durante os anos 90, e não modificado sob o governo do PT.
4. Foi, de fato, o período mais sombrio da história do país, pois nele, com o falso pretexto de reduzir a dívida, foram arrancadas do patrimônio nacional empresas e bancos estatais de valor inestimável.
5. Qualquer preço que se discutisse, mesmo sob ótica reducionista, ignorando o incalculável valor estratégico desses patrimônios, só teria algum sentido se fosse em torno de muitas dezenas de trilhões de dólares.
6. Entretanto, os políticos foram cooptados, e o povo anestesiado por vários meios, sem falar na repressão e na mídia corrupta, para que se dessem favores inacreditáveis aos beneficiários das negociatas, desde a Lei da Desestatização, aprovada pelo Congresso em 12 de abril de 1991, proposta pelo Executivo, sob Collor.
7. Resultado: os patrimônios foram torrados (para o país), e a dívida pública continuou a crescer de forma exponencial, à taxa média de 18,65% ao ano (a.a.). De janeiro de 1995 a agosto de 2015, foi de R$ 135,9 bilhões para R$ 3,86 trilhões, ou seja, multiplicou-se por 28,4.
8. A Lei Complementar 148, de 25 de novembro de 2014, prevê que estados e municípios passem a ter suas dívidas corrigidas pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) ou pela taxa básica SELIC – o que for menor – mais juros de 4% a.a., no lugar do IGP-DI mais 6% a 9% a.a.
9. Embora isso pareça mitigar a angustiante situação financeira dos entes locais, não se abre qualquer chance de tirá-los do buraco, nem sequer de evitar que este se aprofunde ainda mais.
10. De fato, embora haja alguma redução nas taxas de correção e juros, estas permanecem absurdamente altas: a SELIC básica já está em 14,25% aa., e o INPCA, em alta, com expectativa acima de 10% aa. Além disso, aplicam-se sobre montantes já insuportáveis, em relação às receitas.
11. Os mecanismos de promoção ao subdesenvolvimento têm seu instrumento central na “Lei de Responsabilidade Fiscal”, outro presente de grego do FMI (Lei Complementar 101/2000). Ela obriga União, estados e municípios a sacrificarem todo tipo de despesa que não o serviço da dívida, em favor dele.
12. Prosseguindo em sua luta por modificar essas realidades, e alertando quanto a novos golpes do sistema dívida, a Coordenadora da Auditoria Cidadã, Maria Lúcia Fattorelli, entregou carta aberta aos governadores de Estados.
13. Destaco alguns pontos desse documento, que convém ser lido e estudado pelo maior número possível de brasileiros:
“Os estados e municípios têm recebido repasses federais decrescentes devido ao ajuste fiscal que faz destinar cada vez mais recursos ao pagamento da dívida pública federal. Em 2014, enquanto os juros e amortizações da dívida federal consumiram 45,11% dos recursos federais, os 26 estados, Distrito Federal, e 5.570 municípios receberam repasses de 9,19%.
Em 2015 a situação agravou-se ainda mais, e os gastos com a dívida devem atingir 50% do orçamento federal, devido ao aumento abusivo das taxas de juros e à prática de mecanismos que usurpam o instrumento do endividamento público, gerando dívida sem contrapartida alguma ao país.
Exemplos: 1) as operações realizadas pelo Banco Central de ‘swaps cambiais’, que de setembro/2014 a setembro/2015 geraram prejuízo de R$ 207 bilhões, impactando o endividamento público federal; 2) as de ‘mercado aberto’, cujo volume atinge quase R$ 1 trilhão e exige o pagamento de juros em moeda corrente, provocando a elevação dos juros de mercado e prejudicando a indústria e o comércio”.
14. Fattorelli recorda que, mesmo sem se ter feito a auditoria da dívida federal, determinada pela CF, a CPI realizada pela Câmara dos Deputados, em 2009/2010, apontou graves indícios de ilegalidades e ilegitimidades das dívidas externa e interna, federal, estaduais e municipais.
15. Ela indaga dos governadores se já calcularam quantas vezes os estados pagaram aquela dívida desde o final da década de 90, e quantos investimentos deixaram de ser realizados, porque os recursos foram absorvidos pelo pagamento da dívida ilegítima e inflada de forma ilegal.
16. Ademais, se eles têm consciência da origem espúria dessas dívidas, provenientes de passivos de bancos estaduais, no esquema ilegítimo do PROES. E se sabem que os estados recorreram a endividamento externo para pagar a União.
17. A Auditoria Cidadão denuncia, ainda, o arranjo inconstitucional implementado por diversos estados, criando empresas independentes, sociedades anônimas, que passam a gerenciar ativos públicos e a emitir debêntures: obrigação de mesma natureza de dívida pública, contando com garantia pública.
18. Finalmente, exige dos governadores resposta decente à população, que sofre a subtração de direitos essenciais, enquanto enfrenta desemprego, queda salarial e aumento de tributos, e assiste ao crescimento dos bilionários lucros dos bancos, batendo novos recordes a cada trimestre.
19. Recordo que, na biologia, nenhum ser vivo surge sem provir de outro, mas a política econômica permite a criação artificial de dívida. Isso porque está a serviço dos bancos e rentistas e, portanto, faz o Tesouro Nacional emitir títulos com taxas de juros absurdamente elevadas, sob o principal e falso pretexto de que isso conteria a inflação.
20. A enorme dívida pública interna resulta da capitalização desses juros. Provém, pois, de fraude incorporada à política financeira a cargo do Banco Central e de um certo COPOM (Conselho de Política Monetária).
21. No sistema vigente, de falsa democracia, e mesmo antes da “Nova República”, o Poder Executivo não exerce seus poderes. Tampouco o Congresso.
22. Talvez só um presidente, Sarney, tentou encarar a dívida pública de forma soberana (à época pesava mais a externa). Desvencilhou-se de Francisco Dornelles, sobrinho de Tancredo, que herdara deste no Ministério da Fazenda, e nomeou Dilson Funaro.
23. Este, entretanto, não durou muito, devido às pressões dos banqueiros angloamericanos. Nem sequer na vida, provavelmente envenenado. Depois, Sarney entregou os pontos e pôs na Fazenda moleques de recados dos banqueiros.
Adriano Benayon é doutor em economia pela Universidade de Hamburgo e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento
Fonte: Correio da Cidadania, 19/01/2016