Quarta-feira de cinzas. Muitos ajustam suas contas com a folia. Um balanço natural dos dias de carnaval.  Pulei nos blocos de SP, vibrei com os foliões de Olinda pela TV, bem como a vitória da Imperadores do Samba em Porto Alegre e o lindo samba-enredo da Salgueiro no Rio. Foi um carnaval e tanto.

No caso do país, foi o primeiro carnaval depois das jornadas de junho. E isso tem muito peso. Menos de cem dias nos separam da copa.  O Brasil mudou muito.  E o carnaval, como uma das maiores expressões do estado de ânimo do povo, foi um sintoma claro. Três questões chamaram a atenção e determinaram o carnaval mais politizado dos últimos anos:

1.       O levante dos garis no Rio.  Um verdadeiro “show” de mobilização e organização. A história se repete. Sindicato vendido faz acordo rebaixado com a prefeitura e com a Comlurb. Assim mesmo, os garis não se entregaram. Passaram por cima da burocracia sindical, pararam 70% da categoria, em que pese o assédio brutal. A imprensa, especialmente a Globo, junto com prefeito Paes, atuou para dizer que não havia greve. As montanhas de lixo, sujando por todas as partes, a cidade mais conhecida do país, em pleno carnaval, falaram por si. A greve segue num impasse. A COMLURB mandou demitir a vanguarda grevista, 300 garis. Entretanto, segue a greve, a sujeira, a mobilização e a queda-de-braço dos garis contra seus inimigos. O fato é que a mobilização já trouxe um sinal claro: mesmo as categorias mais precarizadas e sem tanta tradição de organização sindical estão dispostas a sair às ruas . No caso dos Garis, quebraram preconceitos e acabaram com a suposta “invisibilidade” da profissão. Um salto na consciência de classe. A marchinha que se escutou era “no carnaval, prefeito vai varrer sozinho”. Dias em que o morro desceu e marcou o carnaval carioca.

2.       Uma combinação inteligente de temas sociais e políticos com a diversão e o entretenimento. Algo que sempre salta aos olhos no nosso carnaval, vide os grandes enredos de Joãozinho Trinta e outros,  nos blocos de crítica no nordeste, entre outras expressões, se generalizou em quase todos espaços. E o mais interessante: está sendo assimilada a cultura, mesmo para setores de esquerda, de que não podemos opor as expressões de cultura popular versus a política organizada. A esquerda está aprendendo a falar a linguagem do povo – claro que não é algo simples e imediato-  mas se nota uma integração maior. Estamos aprendendo que o ascenso de massas chega combinado com as nossas festas e paixões populares, como a Copa das Confederações, o carnaval e o futebol em geral. Junto disso, uma ampla crítica ao caráter de fetichismo do espetáculo. Os “grandes momentos” do carnaval televisivo perde espaço para os espaços de diversão mais populares.

3.       E o mais importante: muita gente na rua. Ao contrário do clima de instabilidade e pânico que a direita e setores do governo querem criar para evitar manifestações durante a copa, o que se viu foi uma organização mais espontânea e descentralizada dos blocos. Os foliões em todo o país fizeram sua parte, conferindo uma onda mais associativa e menos passiva às folias de momo. Só em São Paulo foram 200 blocos com média de 5 mil pessoas cada um.  Pensando em todo país, foram dezenas de milhões que escolheram as ruas como principal instrumento de socialização do carnaval. Não que isso seja uma novidade, mas a forma como este tipo de evento está se organizando ganha mais força.

O carnaval de 2014 entrou no ritmo do samba, do frevo, das marchinhas e das jornadas de junho.  Um bom sinal para um ano repleto de mobilizações, greves e incertezas.