por Paulo Kliass *

 

Os grandes meios de comunicação não se furtam a enaltecer – dia sim, outro também – as supostos competências e virtudes da equipe econômica do governo que se notabiliza a cada dia que passa em somar mais integrantes nas listas de denúncias de corrupção e escândalos envolvendo recursos públicos.

Afinal, de acordo com a narrativa construída pelos articuladores do golpeachment no Congresso Nacional em simbiose com os patrões do financismo, tudo se resolveria com o afastamento da Presidenta reeleita em outubro de 2014. Bastaria compor uma equipe de governo que rompesse com as experiências ditas populistas e bolivarianas do período anterior para que o Brasil adentrasse o espaço do paraíso da estabilidade.

Como o mote da aventura irresponsável do golpe institucional havia sido a temática das “pedaladas fiscais”, criou-se um mito a respeito da irresponsabilidade na condução da política fiscal e o consequente descontrole da evolução dos preços. A política macroeconômica teria perdido completamente a credibilidade e apenas a entrega dos postos chave aos homens do sistema financeiro teria condições de restabelecer a ordem. Amém!

Golpeachment e consolidação do austericídio.
E assim foi feito, tudo de acordo com as articulações conduzidas a partir do interior do Palácio do Jaburu, a residência oficial do Vice Presidente eleito na mesma chapa de Dilma. De pouca valia foram as tentativas ingênuas – senão oportunistas – patrocinadas por ela de se firmar como uma interlocutora confiável junto aos interesses do financismo. Nomeou o indicado pelo Banco Bradesco para o Ministério da Fazenda, mas nem mesmo o austericídio perpetrado por Joaquim Levy como verdadeiro estelionato eleitoral do programa da candidata funcionou como estratégia eficaz de sobrevivência política.

A consumação do afastamento de forma ilegítima abriu a avenida para que o “conservadorismo autêntico” tomasse conta da Esplanada dos Ministérios. A partir da usurpação levada a cabo por Temer, não mais haveria a terceirização da defesa dos interesses do financismo. A duplinha dinâmica dos banqueiros Meirelles e Goldfajn assume de forma efetiva e integral a definição da política econômica do governo. O discurso a respeito da necessidade de impor a austeridade fiscal a qualquer custo não encontra mais a menor resistência dentre os demais ocupantes de cargos no primeiro escalão.

Estava sendo iniciada a contagem regressiva para a entrada em ação da fadinha mágica das expectativas. Uma equipe econômica sólida e competente, formada por técnicos do mais alto gabarito técnico, finalmente abriria as portas para a retomada do crescimento. A concentração de poderes em torno da equipe econômica e a ocupação de postos estratégicos pelos quadros emanados do tucanato se orientam para a etapa de consolidação do desmonte do Estado brasileiro. Por um lado, a destruição dos poucos fundamentos do projeto de Estado de Bem Estar Social tal como previsto em nosso texto constitucional. De outro lado, a rapinagem da privatização e da liquidação do patrimônio público nacional a toque de caixa. Uma verdadeira corrida contra o relógio para implementação de uma coleção de maldades.

Fadinha mágica das expectativas não compareceu.
No entanto, qualquer manual básico de economia pondera bastante o suposto efeito das expectativas para qualquer processo de decisão de investimento e de ampliação da capacidade econômica em escala micro ou macro. O espírito animal dos empreendedores capitalistas não se move apenas para apoiar um governo mais identificado com seus próprios interesses de classe. O interesse fundamental para a decisão de ampliar a capacidade capitalista refere-se aos lucros potenciais oferecidos pelo novo investimento.

E essa aparente contradição entre o discurso e a inciativa do empreendedor era explicitado de forma bastante objetiva pelas pesquisas de opinião junto aos investidores. A grande maioria se dizia otimista a partir da mudança de governo e achava que finalmente o país estava no rumo certo. No entanto, quando indagados a respeito de novos investimentos em sua própria empresa, as respostas eram evasivas ou negativas. Todos achavam ótimo que o equipe econômica fosse séria e competente. Mas quase ninguém se arriscava transformar esse desejo e essa torcida em decisões objetivas de ampliar sua própria capacidade empresarial.

O aprofundamento do austericídio aparenta ser a melhor resposta para tal paradoxo. Desemprego e recessão não costumam se apresentar como os melhores ingredientes para aumento da demanda em uma economia capitalista. A continuidade da crise não se converte em incentivo para aumento das vendas ou melhoria dos negócios. A ausência de políticas públicas de natureza contracíclica não contribui para melhorar as expectativas de melhoria do cenário econômico futuro.

O único argumento de que o governo pode se valer é que foram realmente bem eficazes no patrocínio do desastre em que se transformou a sociedade brasileira. Ao colocar em marcha o roteiro do conservadorismo ortodoxo mais tacanho, conseguiram mesmo promover a desgraça da redução da demanda. Aprofundaram a desindustrialização, contribuíram para o fenômeno da falência em múltipla escala, se regozijaram com a explosão dos índices do desemprego pelo Brasil afora, festejaram a generalização do mercado informal de trabalho e vibraram finalmente com a redução dos rendimentos dos salários.

Custo social da queda da inflação e juros.
Frente a esse quadro terrível, seria mesmo natural que os índices de inflação fossem reduzidos. Não por conta de alguma sabedoria mágica que estivesse a embasar as decisões do COPOM, mas tão simplesmente em razão da supressão forçada da capacidade da demanda. O crescimento dos preços verificado por meio do desempenho do IPCA caiu mesmo de 9,4% em março de 2016 para 4,6% em março desse ano. No entanto, o custo social de tal movimento é intolerável e não há argumento econômico que resista ao impacto do drama social em que o Brasil se viu mergulhado para tanto.

O contraponto dessa redução da inflação foi a flexibilidade oferecida pelo sistema financeiro para que o governo promovesse também a diminuição, ainda que atrasada, do próprio patamar da SELIC. Como a única referência que a autoridade monetária utiliza é o crescimento dos preços, só houve redução na taxa oficial de juros quando o IPCA finalmente começou a ceder por conta da recessão severa. Assim, saímos de um patamar de 14,25% em abril de 2016 para os atuais 11,25%.

E assim se compõe o cenário em que o comando da economia se vangloria de ter cumprido com afinco seu dever de casa. Afinal, a inflação e a taxa oficial de juros realmente cederam. Alguém aí comentou a respeito do custo social desse penoso processo? Não importa, isso é irrelevante. O fundamental é que a economia esteja estabilizada! Fábricas vazias, empresas fechando, famílias sem renda para sobreviver com dignidade? Bem isso tudo faz parte da solução dolorosa, aliás a única que o financismo enxerga à sua frente. O sofrimento dos outros, pois os lucros dos bancos e demais instituições financeiras continuam bombando de forma bilionária a cada novo trimestre em que são anunciados.

Chantagem e mentira.
Com a explosão da crise política associada à divulgação da famosa Lista Fachin, o governo vê ainda mais reduzida sua margem de manobra para aprovar as reformas estruturais no interior do Congresso Nacional. Em especial, a Reforma da Previdência começa a fazer água e Temer passou a anunciar um recuo por dia em sua proposta original, que era considerada imexível à época em que foi anunciada. O próprio governo vendeu a falsa ilusão de que apenas a aprovação desse pacote de maldades seria capaz de impulsionar a retomada do crescimento da economia. Mentira! A manipulação das informações e a compra da opinião dos meios de comunicação não foram ainda capazes de reverter a impopularidade das propostas.

Está cada vez mais claro para a maioria da população que a crise atual do regime previdenciário está muito mais associada à redução das receitas do que à suposta explosão das despesas. E como o governo se agarrou a essas mudanças como a boia de salvação de sua governabilidade, agora Meirelles se sai mais uma vez com a conhecida e recorrente chantagem junto aos parlamentares:

“Se o país não fizer a reforma no devido tempo, em primeiro lugar as taxas de juros brasileiras, em vez de cair como agora, vão voltar a subir fortemente”.

Ou seja, se o desmonte da previdência social não for realizado, estaríamos condenados a retornar aos tempos de juros altos e inflação elevada. Como se vê, o desespero político tangencia a retórica oportunista e se fundamenta na desonestidade intelectua

* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.

(artigo originalmente publicado na Carta Maior – 19/04/2017)