por Francisco Louçã *

 

   Teve razão Jerónimo de Sousa quando, no domingo de manhã, sugeriu cuidado com as leituras nacionais das autárquicas. Se as eleições, todas, medem as temperaturas e as relações de forças, cada uma fá-lo na medida das suas particularidades: nas autarquias, medem-se poderes e forças locais, que importam aos cidadãos, aos partidos e ao futuro imediato. Oito notas então sobre essas temperaturas.

  Primeiro, abstenção reduzida, bom sinal, mas ainda demasiada e sempre muitas lágrimas de crocodilo. Ora, nem os cadernos eleitorais estão actualizados, e portanto sobrevalorizam a abstenção, nem o sistema político tem sabido criar a confiança e mobilização que a democracia exige.

   Segundo, derrota de alguns candidatos populistas (Valentim, Narciso), mas vitória de Isaltino. Aqui, tudo como se esperava. A experiência de extrema-direita do PSD em Loures termina em fiasco, como antecipei, além de que a queda do PSD a nível nacional arrasta todas as suas candidaturas – ou seja, ainda vamos ter mais ensaios André Ventura no futuro, pois a direita radicaliza-se na exasperação.

   Terceiro, o PSD afunda-se e o PS ganha. Em Lisboa e Porto o PSD ronda os 10%, enquanto o PS reforça a sua maioria autárquica. Para Passos Coelho é um desafio difícil, foi ele quem escolheu os candidatos e quem pensou que comoveria o país arrastando o seu despeito por ter sido derrotado.

   Quarto, Moreira ganha no Porto, apesar de prejudicado pela sua pose sobranceira. Fica um problema: as duas sondagens sucessivas da Universidade Católica estavam completamente fora da margem de erro e, sendo um estímulo óbvio à campanha do PS, ficam sob suspeita. Lembro-me de casos parecidos, nenhum tão grotesco.

   Quinto, o CDS ganha ao PSD em Lisboa e era isso que importava a Assunção Cristas. Assim, ajuda-se a si própria e ajuda o centro e a esquerda: ficou queimado o barco da coligação das direitas em 2019.

   Sexto, o PCP segura a sua presença autárquica com maioria em regiões importantes. Era importante para confirmar a sua orientação e para o seu trabalho de implantação.

   Sétimo, o Bloco sobe em todo o país, ganha onde mais precisava de ganhar, elegendo mais vereadores em Lisboa e outras cidades onde passa a ser determinante para as escolhas locais. De notar que em Lisboa arriscou-se com um candidato pouco conhecido mas que se mostrou seguro e mobilizador. Se há uma lição para o partido, é que se reforça ampliando-se e renovando-se.

   Oitavo, agora a vida muda em muitas câmaras. Medina tem de se entender com a esquerda, mesmo ganhando confortavelmente, e a negociação vai ser difícil. O PCP deverá fazer alianças à esquerda em várias câmaras. E o Bloco tem de organizar um trabalho sistemático no poder local, porque a partir de agora disputará a maioria em várias câmaras. Se, no conjunto, a confluência maioritária PS-BE-PCP fica reforçada perante a derrota da direita, também é certo que vai ter muito trabalho, que exige muita negociação e criará tensão. É a vida, como dizia um antigo primeiro-ministro, e ainda bem.

 * Franciso Louçã é economista e político português

 

(Texto originalmente publicado em https://www.publico.pt/2017/10/02/politica/opiniao/um-pais-um-pouco-mais-tranquilo-1787332)