Isabela OIiveira e Pedro Otoni

Em abril de 1917 uma voz se fez notar ante as outras. Esta voz tinha um timbre que expressava as mais altas aspirações do povo russo, era de alguém que havia acabado de retornar de um exílio, líder de uma organização minoritária, ridicularizado pelas mais expressivas personalidades da esquerda europeia, acusado de delirante e incitador da guerra civil: era a voz de Lênin.

Qual então seria o delírio de Lênin naqueles dias de abril? Reivindicou, quanto todos vacilavam, a bandeira histórica da Comuna de Paris, reivindicou Todo poder aos Sovietes. Para isso denunciou o “defensismo revolucionário”, a via passiva de resistência ao Governo Provisório, e o apoio – expresso ou velado – de boa parte da esquerda russa frente a permanência do país na I Guerra Mundial.  

Os 10 pontos das Teses de Abril causaram grande desconforto, mas um em especifico conquistou a rejeição veemente de quem quer que fosse: “o apoio limitado” ao governo provisório. Lênin antecipava as debilidades do poder dual e mantinha uma desconfiança, posteriormente confirmada, na manutenção do governo provisório. Sua ousadia consistiu em apontar com clareza  que o governo provisório representava a forma política da dominação de classe e que a conquista do poder político deveria percorrer um caminho de explanação paciente para o convencimento e elevação da consciência dos sovietes e do povo russo. Sobretudo, o que Lênin reivindicava era uma revolução ininterrupta.

Seu raciocínio não era delirante; era rigoroso, preciso, intransigente. Seus alvos foram escolhidos, e as palavras de agitação extrapolaram seu uso habitual e ganharam a dimensão programática que centenas de páginas não poderiam explicar.

A PAZ, ante a guerra imperialista de anexação, que submetia os povos a brutalidade dos interesses capitalistas. A paz viria não apenas com a retirada da Rússia da guerra, mas a unificação de todos os bancos do país e a sua transferência aos Sovietes de Deputados Operários e camponeses pobres.

O PÃO, que significou romper com a ordem capitalista que impõe a escassez como método de controle social. Socializar o pão significa romper com a ordem burguesa, significa de maneira mais profunda, superar as classes.

A TERRA, o meio de produção mais elementar, aprisionado por séculos por uma oligarquia agrária antinacional. Transferir o controle do território para os camponeses implicaria, como vislumbrou Lênin, na remoção mais profunda e efetiva dos resquícios da aristocracia tzarista, que insistentemente sobrevivia sob o Governo Provisório.   

Desta forma a bandeira da paz não significava rendição; a distribuição do pão não significava assistencialismo, nem a socialização da terra aos camponeses uma política compensatória. Era o imperialismo, a burguesia bancária e a aristocracia rural os alvos que Lênin havia definido, era contra eles que aquela voz “delirante” de abril se fez ouvir.

A abordagem leninista se transformou na mais extraordinária pedagogia de massas da história, pois propôs, como método o esclarecimento dos setores populares e revolucionários vacilantes da necessidade de compreender a relação fundamental entre a paz e a revolução.

Para dar consequência prática e militante para suas Teses, Lênin propõe um congresso imediato do partido, que apontasse para a modificação do programa, aprofundando a caracterização do imperialismo como inimigo principal; a adoção de uma proposta de Estado-comuna – a organização de um aparelho estatal que desse consequência aos objetivos já levantados pela Comuna de Paris -;  a mudança de denominação do partido, que passaria a se chamar Partido Comunista – a organização política que teria a organização comunal com eixo programático máximo -; e a constituição imediata de uma nova organização internacional, a III Internacional Socialista, que colocasse fim a via passiva presente no movimento revolucionário.

As Teses de Abril incendiaram como combustível a vontade de poder do povo. Este fato nos ensina que é necessário existir um “abril delirante” para que se tenha um “outubro vermelho”.