Por Helmut Weiss*

Parei de ler artigos, entrevistas e sei  lá o que sobre o ano de “68”. Já que cada um têm a sua definição daquela época, fingindo haver uma. Por razões pessoais participei um pouco do ano 68  em dois países, o que ajuda a ter condição  de comparar razões e o desenvolvimento do acontecimento histórico, seja na Alemanha ou na França.

  1. Raízes, fontes, razões

Em ambos países, uma das razões da rebeldia era histórica. Na Alemanha, muito claro, era a pergunta de sempre, feito a todos e todas mais velhos: O que você fez na época do nazismo? Baseado numa ideologia dominante burguesa, que dizia “vamos esquecer isto aí”, todos fomos vítimas do argumento:  “esta na hora de reconstruir o país e o perigo hoje e o comunismo”.

Na França, menos claro, era a guerra colonial, principalmente na Argélia, mais também – e pela então atualidade muito influente – no Vietnã. Combinou-se isto com as razões de exigências democráticas, seja nas escolas (incluindo aquelas de formacão profissional),  ou nas universidades – sempre criticando não só as estruturas conservadoras e machistas (quem criticava isto eram “só” as mulheres, não por acaso) – como os conteúdos do ensino e da pesquisa. Por exemplo, num país como Portugal era diferente, já que a história era ainda o presente, na ditadura salazarista e seu colonialismo. Estas histórias se combinaram com o antiimperialismo mundial, seja na África, ou na Ásia e também com os efeitos da primeira crise econômica pós-guerra em vários países europeus.

  1. Desenvolvimento

Continuando a comparação, a maior diferença entre a Alemanha e a França naquela época era a “questao comunista”. Sendo que na Alemanha Ocidental tinha um anticomunismo muito forte, incluindo, por exemplo, o movimento sindical; enquando na França existia o partido e sindicatos comunistas bem forte. Isto teve um papel importante quando se trata da medida em que o movimento operário participou daqueles eventos. Enquanto na Alemanha quem participou foi uma parte bem grande da juventude operária, na França foi muito menos uma questão de idade e mais de criticas de esquerda às organizações comunistas, inclusive nas grandes fábricas.

Parte desta diferença foram as diferenças no comunismo mundial: Os acontecimentos na China influenciaram “as coisas” na Alemanha, muito mais do que na França, já que o PC Francês era capaz de freiar muito mais. E não falo do que realmente aconteceu na China, falo do jeito em que chegou aqui (Alemanha) – massas mobilizadas contra a hierarquia comunista.

Fato resta que o movimento na França ficou muito mais forte, incluindo, por exemplo, os trabalhadores migrantes de forma muito mais ampla do que na Alemanha – e sendo “parado” pela orientação do PC para as eleições que viriam, estes acabaram perdendo feio, uma situação em que a fuga do General de Gaulle já era preparada. Comparável, aí sim, com a vitoria eleitoral do partido socialdemocrata na Alemanha ( a primeira vez desde quase 45 anos), ambas eleições sendo, não o começo do fim, mais sim o começo da normalização dos movimentos.

  1. Resultados

Não é pouca a gente que diz, que o neoliberalismo, em parte, seja herdeiro daquela ideologia da liberdade individual, que era um aparte daqueles movimentos. O então ministro do exterior da Alemanha (que foi ativista em 68) chegou a dizer, durante a guerra nos Balcãs, que bombardear a Iugoslávia era devido a “tradição antifascista“ da nova Alemanha (ele era do partido Verde, claro!).

Minha opinião sobre isto é que qualquer movimento de certa popularidade sempre tem vários resultados, inaugura várias tradições. Com a mesma razão com a qual se pode dizer aquilo da tradição neoliberal, pode se dizer isto de uma esquerda mais radical que esteja hoje – mais ou menos – a altura de uma luta social mais ampla, incluindo, por exemplo, a questão das fronteiras abertas ou das greves femininas. Eu pessoalmente acho que esta orientação mais ampla seria ao menos um ponto de partida para uma luta mais eficiente contra a forte onda de direitismo que tem não só no Brasil, (como vocês bem sabem), na Alemanha, bem como na França.

*Helmut Weiss – É jornalista do portal Labournet.de,  ativista político e sindical alemão.